PALHAÇOS DO DESTINO

PICADEIRO ATEMPORAL
 
- o passado morre no exato instante em que o agora se faz presente -
 
“O que é isso que eu sei sem que ninguém me tenha perguntado, mas que, se eu quiser explicar a quem me perguntar, eu não sei explicar ? A resposta é : o Tempo.” Santo Agostinho
 
Existe um picadeiro no circo da sociedade humana que mantém a bilheteria aberta para os espetáculos encomendados. A lona esticada sobre o piso de terra batida alarga-se na direta conveniência dos conceitos pré-fabricados. Palhaços mascarados de fajuta alegria vendem ideias em aspirais de necessidades: vai um pouco de caridade aí ? Vai, sim senhor! Vai um pouco de mesmice aqui? Vai, sim senhor! Vai mais um pé de coelho aí ? Vai, meu senhor! Meu senhor! O pronome possessivo , com evidente galhardia, estende as garras da proeza retórica à moda dos títeres nas cortes atemporais. Ave, palhaços corrompidos! Comei e bebei da estultice alheia que morre aos pés da consciência apagada. Tem-se o agora! E agora? O tempo passa ao largo das trilhas e das pegadas: toma o que tem e vai-se embora. Eflúvio, imperceptível, escapa por entre as nódoas do pensamento surdo. Pensar cobra uma ação defectiva; de imperfeições o circo está cheio. Vale-se delas, de todas elas, para armar o espetáculo das enganações. Corre o tempo na arena colorida, sangram versos de incomum convencimento.
O circo e o tempo não pagam impostos. Cobram a travessia aos vivos e deixam os mortos na paz etérea dos sonhos inconclusos. Um e outro não servem ao mesmo senhor, mas dele derivam e ajustam-se aos conceitos à serventia. Ao tempo cabe a promessa jamais cumprida; ao circo, a enganação dos sentidos. “Se tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades teria ouvido verdades que teimo em dizer brincando, falei muitas vezes como um palhaço mas jamais duvidei da sinceridade da plateia que sorria.” (Charles Chaplin) Hoje tem palhaçada? Tem sim, senhor! Hoje tem marmelada ? Tem, sim senhor... tem-se a presunção de tomar o tempo em uma das mãos enquanto a outra leva as pipocas à boca. Presume-se que as pipocas acompanhem a imprescindível ilusão de um hiato: um parêntese vendido por entre as janelas da bilheteria luminosa. Necessário vão que chama para si os sonhos de permanência e imanente criação: “...um eterno presente, um tempo-duração."(Bergson)
Existem dois circos no picadeiro da vida: um, armado com estratégias de guerra; o outro, armado para mantê-las. Ambos dirigem os espetáculos que controlam, à mercê das vontades, a vontade do público alvo: daí de comer e beber à plateia presente e controle pela alusão aquela que se faz ausente. Assim se constrói o mundo das decisões, e as decisões no mundo, como se a consciência não fosse um mundo à parte, cujo tempo margeia a linguagem dos sinais intraduzíveis. “ Precisamos pensar no fato de que ainda não começamos a pensar.” ( Heidegger)
Hoje tem palhaçada? Tem, sim senhor...
 
Ivane Laurete Perotti

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