GAVINHAS

A SOBERANIA DAS ABÓBORAS

- as palavras abrem-se em ramas conceituais: fecunda terra das conversas vãs -

“É isto que amamos nos outros: o lugar vazio que eles abrem para que ali cresçam as nossas fantasias.” Rubem Alves

                                       A discussão ganhou fôlego de plenário. Diante da inquirição, a menina de cabelos afogueados respondeu:
                                     - Nada, não! Só estou falando abobrinhas!
                                     Refutação mágica no quadro das respostas. Hífen entre sílabas silenciosas.
                                       Mal escondia a menina que plantava sementes em terras do vir a ser, ponte pênsil entre o dizer e o apontar.  Sementes de casca dura. Tão duras quanto a nesga de cola fria a sustentar os dois lados do mesmo abismo. Figuras que saem da linguagem viva para tomar sol em terreno fértil. Ou não... Todo mundo gostaria de se mudar para um lugar mágico. Mas são poucos os que têm coragem de tentar.” (Rubem Alves)
                                      Aboboreiras dão frutos e subvertem a ordem das gavinhas em sustentação rasteira, feito as conversas de sentidos suspensos. Diversificam-se em outras espécies, esses exemplares amarelados do gênero Curcubita :  esparramam-se em  bainhas sintáticas a fim de garantirem-se no plano da expressão. Abóboras servem à inteligência da humanidade, assim como as máscaras servem à composição dos sujeitos especializados nas práticas sociais. Abóboras são recheios semânticos libertos das sabatinas gramaticais: sentidos desafortunados rondam aqueles que desconhecem o poder catártico das abobrinhas nas conversas que a vida engendra. Aríetes do verbo, temei a densidade aleatória que esconde o dizer no dito aparente! Temei a suposta desordem na coroação da frase. Temei ! “Ver algo que não foi preparado pelo verbo é entrar no campo das sensações não organizadas, da alucinação, da loucura.” ( Rubem Alves)
                                    Acima das nuvens de significação acolchoada pelos repentes, as abóboras guardam a polpa doce e quase macia. Quase, pois que há de se considerar o paladar dos comensais e o estado das línguas de trapo ( sem hífen, para honrar os acordos e os desacordos da língua-mãe ... com hífen, para lembrar a materna confusão sobre os traços de composição vocabular) encolhidas por detrás das cordilheiras dos dentes cerrados. Línguas saboreiam abóboras no bojo côncavo que as palavras deixam entre si: palavras também produzem polpa, e distribuem-se em espaços sem donos, danos e panos. Essas constituintes da voluptuosidade humana não escondem as vergonhas. Antes, desnudam-se como fazem-no as cucurbitáceas em noite de halloween. Máscaras, para o que veem? Sabem-no antes de servir ao recorte da face escondida: " Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.”  (Rubem Alves)
                            No contorno das abóboras discursivas, a menina de cabelos de fogo saboreou o espaço do silêncio amoroso. E entre os frutos abobadados, pensou nas sementes que deixara cair entre os montículos de terra revirada no canteiro das poucas frases: "Pássaro, eu não amaria quem me cortasse as asas. Barco, eu não amaria quem me amarrasse no cais." (Rubem Alves)
                            
Ivane Laurete Perotti

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