MATILHAS
A
PATOLOGIA DO LIMITE
-
doenças do comportamento são geradas por mitos de impunidade -
“Onde acaba o amor têm
início o poder, a violência e o terror.”
Carl Gustav Jung
Como podemos ter
vontade de algo que não conhecemos?
Diane e Actéon deslizam
por bordas opostas na mesmíssima linha do limite: a deusa caçadora e o filho do
rei Cádmo tramam hoje as sobras da cólera
e da punição. A qual guerra servem os dois personagens da mitologia grega? Se
nos pudessem dizer da utópica vergonha, nua desonra para os conceitos de
castigo e poder: fórmula do terror sobre a vida do homem despreparado – o diriam?
Se pudesse a deusa desfazer-se diante das vestes molhadas, salvaria o caçador
das garras dos cães sedentos? O medo tomou-se por ousadia e o herói fugiu:
diante da imagem animalesca refletida nas águas do lago, desgraçadamente, o
caçador sucumbiu. Por trás da máscara criada, a consciência mantinha-se em
lágrimas de medo. Medo e vergonha dispunham-se à morte. Morte do corpo
escondido em falsas bravuras. Morte da compaixão. Morte da indignação, refluxo
único de um caminho quase sem volta.
Como
podemos desejar tão fortemente a paz que não alcançamos?
Na hesitação, o fôlego do mal cria corpo. Por
despenhadeiros e rochedos Actéon, que
corria mais do que o vento, sentiu as garras da ferocidade: vergonha e medo,
punição e covardia. Por onde Melampus, Pangafu,
Dorceu, Lelaps, Teron, Nape, Tigre e todo o resto da matilha cravar-lhe-iam
as garras? Não lhe reconheceram o mando e o bosque verdejante ouviu-lhe as
súplicas inumanas. “Para que se deveria,
em meio à grande ausência de limites, colocar a todo custo um limite qualquer?”
(Jostein Gaarder)
Como podemos ocupar o lugar da falta?
Na
cadeira do tempo, uma sombra deixa-se ficar sem pressa: é espessa e úmida, lembra
um grande borrão acinzentado. Ninguém lhe pede o lugar. Ninguém lhe proclama a
existência indelével. Ninguém se aproxima para negociar espaço. Ela permanece
incólume e constante até o dia em que lhe chamam à razão. Uma guerra toma
assento e a cadeira já não é mais o limite. “A
violência, seja qual for a maneira como se manifesta, é sempre uma derrota.”
(Jean Paul Sartre)
Como podemos
preencher a lacuna da vontade, se... aprendemos
a ser matilha? Se aprendemos a tosquiar a hombridade e invadir a nudez das
águas da consciência? “Não existe caçada
como a caçada a um homem. Aqueles que caçaram homens (...) por algum tempo e
gostaram, nunca mais conseguiram se importar com mais nada na vida.” (Ernest
Hemingway)
Como podemos
nascer outra vez?
Outra vez faz parte do mito... a linha
do limite foi ultrapassada há muito tempo!
Ivane Laurete Perotti