SOB O FÔLEGO DA VIOLÊNCIA
TRILHAS
DA /DES/UMANIDADE
-
o fôlego da violência desonra o tempo da vida e da morte -
"É desta massa que
nós somos feitos: metade de indiferença, outra metade de maldade." José Saramago"
Na caverna
uterina um lampejo de conceito toma a forma de bondade. Antes que o tempo se lhe
sirva para o amadurecimento, uma pontiaguda massa de intenções maléficas atravessa a bolsa
líquida: morre a bondade antes de vir à luz das possibilidades. No lugar da
bolsa, o destino de uma esperança rompida, esvaziada de vontades jamais
expostas. Eis a triste metáfora da humanidade: desumana por escolha e
consequência. Eis o caminho de uma raça que bebe do cálice da intransigência,
do egoísmo fanático, da usurpação... taça de cegueira colocada à mesa da
história. Mesa posta sobre as dores sem fronteiras, sobre as almas perdidas, as
mãos dilaceradas em lágrimas de fecundo terror. O planeta afoga-se no sangue da
única espécie viva capaz de extermínio global. Afoga-se no choro de quem espera.
Ouvem-se
passos atropelados. Gritos de medo ferem os ouvidos das estrelas. Feridos
tombam sobre o asfalto enlutado. Nos jardins das cidades, o mundo enterra a
consciência de sua natureza: por onde caminha a humanidade? "Não
sou pessimista. O mundo é que é péssimo." (Saramago)
Nem sonho nem
sonhador encontram a porta de saída para o pesadelo da repetição: mortos
empilham-se nas páginas frias das estatísticas mundiais. Corpos desnudos
esperam nas gavetas de um necrotério qualquer. Nomes perdem o poder de
identidade no foco das evidências do
mesmo e sempre o mesmo fato. Aqui, atentados silenciosos tragam a vida
rotineira das catacumbas urbanas em rotos e repetidos assaltos - ignomínia das
desigualdades manipuladas no descaso e na injustiça ; lá, atentados silenciam
vozes que deixam a vida sem tê-la visto triunfar. Aqui e lá, a mesma guerra, a
mesma indiferença à vida e ao clamor dos ciclos naturais. "Se tens um coração de ferro, bom proveito. O
meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia."(José Saramago)
Distribuem-se
vendas políticas, anestesias sociais, justiças de boteco e grandes listas de argumentos vãos. A
ineficácia é a primogênita da má vontade na família da improbidade. Perversas são
as raízes da maldade, tristemente arraigadas à incompletude dos homens neste
universo das barbáries."O difícil
não é viver com as pessoas, o difícil é compreendê-las." José Saramago
Nas trilhas
deixadas pelas lágrimas de perda e pânico, alguns discursos servem de apanágio:
pensões de indiferença no colo dos enlutados." Por favor, alguém que me faça estas contas, deem-me um número que sirva
para medir, só aproximadamente, bem o sei, a estupidez e a maldade humana."
(Saramago)
Nas praças do
mundo, as cidades choram e as flores não aquecem mais o coração dos que ficaram
em pé. Em pé? Não há luz nas velas de cera, nem há cera suficiente para todas
as velas sem luz.
Quando a cabeça não
pesa mais do que o próprio umbigo, algumas almas olham para a frente e veem o
avanço do abismo: rogai por vós, aves de
rapina, pois de onde as vemos, veem-nos também vós!
Ivane Laurete Perotti