AO FAZIMENTO DAS LETRAS



SERU MANO

- lições de humana sabedoria colhem histórias nas páginas da realidade –

 “Nas palmas de tuas mãos leio as linhas da minha vida.”
  Cora Coralina

                                         Um menino procurava borboletas entre as folhas amarrotadas do pequeno caderno. Despretensioso, espiava por detrás das letras e das manchas bruxuleantes deixadas pela borracha de apagar. Os sulcos do lápis preto serviam de farol aos olhos curiosos: caminhos paralelos às linhas desenhadas de antemão. Era franzino; a sorte lhe cobrava débitos e a tenra vida antecipava-se em dificuldades severas. Procurava borboletas. Defendia-lhes o direito à presença na sala congestionada. Sinalizava o possível encontro com suspiros de tocante exultação. Borboletas... borboletas... borb...
                                         Fervorosamente, um franzino menino procurava borboletas. Em ângulo de total entrega, movia uma a uma as folhas carimbadas. Movia e espreitava. Espreitava e movia. O excesso de cautela ricocheteava nas paredes lisas da sala de aula. Na concentração de um, a distração de muitos. Caberia ao momento tal empreitada?  
                                        _ Fulano, o que tanto procura? – indagou a professora, em voz de poderoso alento.
                                        _ Shhhhhiiiiii.... não fale alto, pró! As borboletas têm ouvido largo.
                                        _ Hummm! E é? Onde estão elas?
                                        _ Aqui... ali... não sei bem! Mas, algumas delas se esconderam em meu caderno. São amarelas e azuis, e também são bem magrinhas. Tem borboletas em seu caderno, pró?
                                        ____... não tenho certeza, eu ainda não as procurei. Podemos fazer isso, todos juntos. O que acham?
                                       Antes que os colegas acenassem com um sonoro sim, o menino, que deixara de ser “um”, sinalizou com os dedos finos o silêncio pretendido e justificou:
                                       __... elas têm ouvidos largos. Shhhhiiiii...
                                       O que poderia ter gerado um evento pedagógico de catástrofe individual deu início à sinestésica poesia: folhas dançavam diante dos olhos atentos. Borboletas coloridas voavam de uma página à outra e procuravam pelo caderno da inspirada professora. Muitas se esconderam entre o diário de classe, cobriram o plano de aula e até pousaram no gasto quadro de giz. Crianças procuravam borboletas na sala de aula encantada pela competência lúdica da sábia mestra.  Logo a escola inteira folheava cadernos e livros em busca das pequenas lepidópteras. A variedade dos insetos não atrapalhava a poética investigação. Nem a profusão de cores confundia o novo achado: muitas borboletas folgavam mostrar-se diante da respeitosa curiosidade das crianças.
                                    Para registrar a tarefa que se tomara de produtiva evolução, a professora solicitou às crianças que escrevessem no caderno uma palavra que pudesse guardar, mesmo que só um pouquinho, a mágica investigação. Mais do que depressa as crianças escreveram. No caderno do menino procurador, lia-se:
                                  “Seru mano...”
                                  Não cabia à professora, naquele momento, qualquer contradição. Pois, entendia ela que: “Poeta não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima à autenticidade de um verso...” (Cora Coralina).
Este texto é uma homenagem à Stephani Milagre Dal Zuffo, e através dela, aos profissionais da educação e aos profissionais do aprendizado: aos alunos e aos professores, às eternas crianças escondidas em cada um. 

Ivane Laurete Perotti

Postagens mais visitadas