FRACASSADA VALENTIA
UMA
PAUSA PARA O SILÊNCIO
-
sem palavras, as sílabas átonas batem em retirada -
“... as palavras
voam e às vezes pousam.” Cecília Meireles
Se pelas
frases da vida a sabedoria encontrasse maior silêncio, certamente o homem
estaria falando pela gramática da coerência. Mas, como tudo o que reflete as
condicionantes sintáticas, falar também pressupõe recheio de sentidos. Então,
ao verbo, a sua condição de criar e fantasiar.
Contava
um sujeito com as pregas da indiferença quando a sua abstração foi interrompida
por um menino:
_ Ei!
Tio...
_ Não sou
seu tio!
_ Eu não disse que você era meu tio.
_ O que
você quer, pirralho? Fala logo que tenho mais o que fazer!
_ Mas... o
tio não está fazendo nada!
_ Já
disse que não sou...
_ Eu
entendi, mas você não está fazendo nada!
_ Você me interrompeu só para
dizer que...
_ Eu não
interrompi, só chamei você!
_
Senhorrrrr! Você chamou o “senhorrrr”!
_ Não! Eu
chamei o tio, mesmo!
_ Fala de
uma vez. O que você quer?
_ Eu
quero votar!
_ O quê?
_ Eu
quero votar!
_ Já
ouvi! Mas criança não vota. Então, dá o fora!
_ Mas,
tio...
_ Dá o
fora!
_ Mas...
eu...
_ ... fora!
Ao voltar
para o lugar que acreditava ocupar, o sujeito não percebeu a porta que se
fechava por trás das pequenas mãos que batiam em retirada. Não percebeu, não
sentiu e deixou passar a única oportunidade que se lhe fora oferecida
incondicionalmente.
Como fazer
pensar um homem que não sente?
Ivane
Laurete Perotti