PERDAS E PANOS


  PERDAS E PANOS
                                  Os limites da violência consentida

                                                                     "A violência, seja qual for a maneira como
                                                                      ela se manifesta, é sempre uma derrota."
                                                                      Jean-Paul Sartre

                       
             Somos frágeis instrumentos das emoções encarceradas na alma obscura?
             Títeres ou vilões, de quem é a responsabilidade pelo caminho do meio que tanto foge ao pendor da humanidade?
              O mundo subjetivo do homem moderno é uma ilha cercada de grandes e nodosas desculpas contextuais, farpas de um momento histórico que se representa pelo direito à palavra justificada. As formas que assumimos para "educar" as nossas emoções passam longe da responsabilidade social, filosófica, política, humana.  E não estão alheias aos nossos olhos e ouvidos. Basta espichar a orelha para fora do carro e ouvir a buzina que atropela o sinal verde no semáforo ainda por abrir. Ou sentir o estremecimento na fila do banco, do caixa do supermercado, da farmácia que é grosseiramente invadida por quem entende estar no direito de fazê-lo. Reveses do "estresse". Talvez.
             Deslizamos por limites intangíveis entre o "meu", o "seu" e o "nosso" direito de viver em sociedade, esquecendo-nos que, antes, muito antes, a individualidade se manifesta como célula identitária. 
            Quem é o sujeito social que marca a nossa época?
            Perdemos os "pavios curtos" e acendemo-nos diretamente aos barris de pólvora carregados em fardos pessoais. Os limites encurtaram-se e os níveis de paciência, tolerância, gentileza e bom-humor perfilam-se em taxas de inviabilidade e extinção.
            A gentileza deu lugar a comportamentos do tipo: "estou marcando o meu espaço". A tolerância murchou dentro do recipiente alquímico no qual era temperada com a maturidade, a compreensão, o entendimento. A boa-educação é metáfora de fraqueza e ausência de "pulso". O bom-humor feneceu no cadinho das mazelas antes que dele se desse falta. Falta. Falta porção de poesia em nosso mundo simplesmente humano.
            Um olhar ecológico faz bem ao estômago. Um sorriso vai além do dito ou não dito, um gesto de cuidado para com o lugar ou aqueles que nos rodeiam pode iluminar o dia. Claro! Claríssimo se essas frases não estivessem sob o estigma do discurso descontextualizado da autoajuda, deliberadamente encarcerada em objetivos logísticos e comerciais. Então, o que fazer com nossas emoções que estão a pino?
                Não sei! Mas pensar sobre o assunto me humaniza e cá estou eu a procurar lenitivos para as orelhas compridas, as palavras descuidadas, os olhares vesgos, a falta de jeito nas filas da vida. Se assumir uma atitude de consciente boa vontade contraria os códigos de conduta na sociedade contemporânea, então, gostaria de ter nascido na Idade da Pedra.  A rudeza era fruto do obscurecido pensamento rudimentar. Era!? Talvez!
            A palavra, meio de transporte de nossos sentimentos, serve a dois senhores: significa e é significada. Correr o risco de fugir ao sistema de sentidos cristalizados está para a garantia de voltarmos à origem da poesia. Se é que ela tem uma, certamente não sobreviverá por muito mais tempo na aridez de nosso comportamento.
            Falta-nos, além de uma boa dose de "humore" (em latim, sem o /h/, significa seiva da vida) a consciência sobre a violência ser passível de erradicação. Como? Bom, desde que não se use dela própria enquanto justificativa, podemos pensar          em homeopáticas fórmulas de vitória sobre o próprio ego empedernido. Ou, permanecemos espichando as orelhas.           
             

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