"SUTIÃS" À DERIVA



            "SUTIÃS" À  DERIVA


                                                  "Não se nasce mulher: torna-se."
                                                   Simone de Beauvoir

                                           
             Algumas décadas se passaram entre a emblemática manifestação ocorrida em Atlantic City, EUA, nominada pela mídia como Bra-Burning, (a queima dos sutiãs), e as manifestações feministas atuais. O que se pode dizer da história dessas manifestações e seu caráter difuso, entrecortado pelas normais discrepância e deserções que caracterizam os movimentos humanos?
            O feminismo é um movimento social de base filosófica e política que tende à igualdade de metas e direitos, independente de normas e gêneros. E dizer "tende" é optar com cuidado pelo caminho do meio, aquele que propõe uma leitura da história pelos meandros dos fatos não trazidos à luz.
             A ideia da sociedade liberta de padrões opressores de fundo segmentador alterou as perspectivas de crescimento da própria sociedade ocidental, reescrevendo-a desde a área da cultura até as dimensões do direito. Às campanhas feministas deve-se creditar o direito da mulher ao voto eleitoral, ao direito de propriedade, de contrato, de autonomia, de igualdade salarial, aos direitos trabalhistas; à integridade de seu corpo, o acesso à contracepção, aos cuidados pré-natais de qualidade, ao aborto; à proteção contra a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro.
            E?... Na história contemporânea, onde está a mulher?
            Já se vive o momento de arrolar análises do lugar conquistado?
            Quem é a mulher moderna?
            Os papéis sociais alternam-se; as exigências pessoais e econômicas colocam os gêneros e os transgêneros em estado de busca e ansiedade produtiva.
           A MULHER NO MUNDO EM UMA ENTREVISTA "PING-PONG" FICCIONAL
           Todas as falas são por direito de criação genuínas e identificáveis no contexto sócio-político mundial. Recolheram-se algumas "amostras" da legitimidade identitária indicando o país das entrevistadas, O QUE NÃO SIGNIFICA GENERALIZAR OU ESTABELECER UM PERFIL ÚNICO PARA A MULHER DO PAÍS EM QUESTÃO. O maior número de mulheres entrevistadas se deu no Brasil. A questão-chave é: QUAL É O BALANÇO QUE VOCÊ FAZ DE SUA VIDA ENQUANTO MULHER?
           

MULHER (BRASIL): Em poucas palavras? Nossa! Estou levando as crianças para a escola antes de chegar ao escritório. Será que poderíamos agendar essa entrevista?

MULHER (EUA): Tenho hora marcada com minha terapeuta. Podemos conversar mais tarde?

MULHER (ÍNDIA): Não posso falar agora. Sofri um estupro coletivo.

MULHER (BRASIL): Eu levanto às 04h15min para deixar o almoço pronto para o meu marido. Largo as crianças na creche às 06h30min. Tomo o metrô e duas lotações para chegar aso trabalho. Não sei lhe responder.

MULHER (CHINA): Sou uma desafortunada. Acabo de dar à luz uma menina. Como vou explicar isso para o meu marido?

MULHER (BRASIL): Agora não dá. Tenho academia, massagista e depilação. Ou você acha que é fácil ser mulher hoje? A concorrência está forte, minha filha!

MULHER (RÚSSIA): Bem que o governo poderia aumentar o valor do "capital da mãe" para o segundo filho. Os 300 mil rublos que ele paga não são suficientes para sustentar a família com dignidade.

MULHER (CANADÁ): A luta continua, moça! Ainda não chegamos lá! As ONGs estão aí para provar isso.

MULHER (AUSTRÁLIA): Olha... eu não sou a mulher mais rica do mundo, não trabalho com mineração. Mas também não engordo as estatísticas sobre violência doméstica. Comigo essa história não cola. Mas perdi uma amiga, o marido... (corte)

MULHER (BRASIL): Mulher? Eu sou o homem da casa, minha filha. Faz tempo!

MULHER (ARGENTINA): Veja só, as Filhas de Vênus estão chegando onde querem. Aqui é a Kirchner, vocês têm a Dilma. Mas não se engane, não. O cabresto ainda existe!

MULHER (SUDÃO): Melhor eu não responder... não sei o quê o Código penal prevê sobre este tipo de questão. As chicotadas... o apedrejamento... ( corte).

MULHER (ARGÉLIA): Sou uma mulher Kabilia... calar é minha esperança.

MULHER (CONGO): Moro aqui, no campo de refugiados de Magunga... você trouxe comida?

MULHER (ARÁBIA SAUDITA): ...

MULHER (BRASIL): Nunca tive problemas. Mas sei que existe muita discriminação e violência por aí.

MULHER (MÉXICO): A gente tentou, né? Mas não foi ainda dessa vez...

MULHER (INDONÉSIA): Eu participei do último protesto em Jacarta e usei minissaia. Mas não acredito que o governo entenda o que agente quis dizer. Os estupros não acontecem por causa de nossas roupas. Você entende?

MULHER (IRÃ): Estão tentando me mandar de volta para casa... mas eu quero cursar uma universidade, quero ser ativa na sociedade.

MULHER (BRASIL): ...ganho bem mais do que meu marido. Não é um problema para nós.

MULHER (MONGÓLIA): Eu gosto de minha vida nômade. Esse ger é meu, herança de família. Aqui, mulher manda, moça. Sempre mandou.        

MULHER (PERU): Eu sou uma das sete mulheres a cada dez de nós que sofre com a violência doméstica. Sim, já fui à delegacia. Eu sou uma policial de trânsito.

            Algumas entrevistas foram cortadas desta compilação devido ao teor de suas revelações.
            Incendiária ou não, a relação igualitária entre gêneros, raças, e outras variáveis características da sociedade humana está longe de se tornar "ideal". Mas há de se admitir que progredimos muito! Ou não? Que se diga "en passant": não apenas os "sutiãs" tomaram outras formas, como também se transformaram os objetos de sua proteção: com silicone, sem silicone, expostos, cobertos, descobertos... é a natural evolução de nossos costumes sob a ótica de olhares sempre novos.
        
           
                                        "Não se trata para a mulher de se afirmar como mulher, mas
                                       de tornarem-se seres humanos na sua integridade."
                                        Simone de Beauvoir         
           



Comentários

Postagens mais visitadas