OUVI DE UM CORAÇÃO
DIÁLOGO
INTERNO
- palavras e ondas vêm e vão mas, não retornam
jamais ao mesmo lugar -
" Ouvi
de um coração que nenhuma forma de solidão assalta aqueles que não se apoderam dos sentidos alheios
- só existe o 'alheio' entre os sentidos
comuns a todos nós." Ivane Perotti
Nas linhas de
um rosto correm segredos: sulcos deixados pelo arado das histórias vividas de dentro para fora. Rastros de
sentimentos que trilham caminhos
singulares, ilham os olhos, margeiam a boca e comprimem a pupila da alma
exposta.
O rol das partidas engendradas e das chegadas
não concluídas talham o rosto humano com
sinais e significados de humana
contingência; e estulto é aquele que os lê na cartilha da mesmice óbvia. Na
superfície de um rosto não jorram
simplificadas sintaxes de imediata tradução.
O trabalho de leitura exige mais do que a estética decodificação oferecida à sorrelfa pelos alfabetizados em
comportamento humano. Antes, há de se graduar em sentimentos,
cumplicidade, bondade, sensibilidade, cadeiras
desfalcadas de método e práxis nas academias
da vida e não recicláveis nas capacitações ordinárias, rotineiras, diárias.
Pena! Pois a graduação de que falo não cobra ingresso, não instaura
vestibulares, não examina a proficiência em línguas estrangeiras: apenas e tão
somente oferece-se àquele que está presente
na instância do mundo comum.
Estar presente ...
barganha interna que edifica muros de indiferença e insensatez. Presentificar-se é uma escolha que exige
consciência e esforço, que não comunga com a indiferença, que trava batalhas a
favor da indignação, que não acomoda as emoções em espaços pré-moldados por
medida de segurança pessoal. Estar presente
exige trabalho, esforço e empenho
espiritual - interno, ou seja lá o nome que se deseje dar ao que se passa no
universo da subjetividade humana - é um caminho de vias interativas,
contagiantes, perigosas para quem deseja
permanecer empoleirado no meio do caminho:
sulcam-se as faces sensíveis e capazes de encarar a leitura de outros faces. Há
riscos em sentir a história do outro: há riscos de se descobrir o amor e a
compaixão simples e sem rótulos.
Ondas e palavras atravessam-nos em praias
distintas: as primeiras podem carregar areia na ida e na volta - remanso
indecifrável deixa à correnteza a capacidade de descansar enquanto trabalha -,
as segundas, encarregam-se de empilhar sentidos e comoções nos rodamoinhos da
memória emocional - trabalham em silêncio contínuo e inquestionável. Sentir
ondas e palavras exige-nos um mergulho nu: sem equipamento de segurança e sujeitos
à pressão que altera o rosto, os olhos, a pele e o sistema
circulatório - no centro do coração há uma ilha de nossos naufrágios e um mural
para os olhos que não nos permitiram morrer afogados em sentidos alheios: os
nossos sentidos alongados.
Nas guerras internas que
travamos é o diálogo com os sulcos
externados na face da vida que nos permitem respeitar e valorizar a caminhada
pessoal: ninguém, absolutamente ninguém pode dizer do outro o que não sentiu
antes em si mesmo. E ainda assim, mesmo reconhecendo-se na história alheia, corre-se o risco de alterar a ordem do
entendimento.
"
Pobre, infeliz e solitário é o homem que acredita ter exatamente o que precisa
ilhado na falsa segurança de seu egoísmo doente e pernicioso." Ivane
Perotti
Ivane Laurete Perotti
Ivane Laurete Perotti