A SINCERIDADE: UM VALOR OU UMA ESTRATÉGIA?

A SINCERIDADE: UM VALOR OU UMA ESTRATÉGIA?

                                                         "Pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita
                                                            sinceridade é absolutamente fatal."
                                                                      Oscar Wilde

                    Em tempos de respostas prontas, elaboradas ou estrategicamente politizadas, as perguntas escondem sua natureza saudavelmente duvidosa em silêncios rotundos. Redondos silêncios circundam nossa democrática civilidade. Ironia! A sinceridade passou a bem de barganha para os intelectos melhor alimentados por informações, neurônios e, consequentemente, possibilidades. Aos demais, mantém-se a linha da inconsciente participação por inércia, desconhecimento ou incompreensão. Típico de antigas eras, quando a sociedade engatinhava no exercício do poder e controle social: às perguntas subjetivas (aquelas que colocavam em risco o poder dominante, independente da área a que se referisse), cabiam a morte ou o encarceramento.
                    Hoje, modernizados, padronizamos comportamentos mais ou menos sinceros que atendem às necessidades de sobrevivência e manutenção do sujeito social. Empunhamos bandeiras sinceramente (sic... sic... sic...) condizentes com o momento histórico no qual instalamo-nos, desde que não avariem a zona de conforto pessoal, ou grupal. Elaboramos projetos cujos dutos estratégicos drenam as finanças do povo e a boa vontade de poucos para lugares previamente marcados, com a ordem sincera de promover o bem comum.   Alguém ganha, a maioria perde! Ninguém pergunta: ou se pergunta, a questão recai em formações retóricas tão descaradamente manipuladas que, imagino, devam deixar Aristóteles sem fôlego em sua nuvem de ser pensante. Vou e volto na figura desse homem eterno toda a vez em que procuro o inominável, ou seja: constantemente! Penitencio-me pela insistência e exagero. Sinto falta dos operadores argumentativos; eles colocariam as minhas próprias perguntas na ordem de meu dia. Mas qual o quê! Participo do jogo argumentativo e ao receber a pergunta: Tudo bem? Respondo com a óbvia, enfática, amalgamada e convencionalizada insinceridade crassa: Tudo bem! Entre os pontos entonacionais que determinam a pergunta e a resposta, cruzam-se leis de polidez, economia, objetividade, hipocrisia, boa educação e... má conduta! Se for sincera, estarei respondendo ao que não foi perguntado, pois na turbulência dos fatos, não sei precisar quem gostaria de saber realmente se está tudo bem. Quem sabe? Na dúvida, lanço mão do polido papel já aceito e instalado nas relações de bom-tom. É prático, rápido e indolor. Eis as estratégias de relacionamento fundadas em princípios pragmáticos: funcionam! Fazem a vida girar e desdobram-se produtivamente em outras fórmulas que também dão certo: uma simples conversa pode assumir as nuanças de um elaborado jogo de ditos e não ditos imbricados nas convenções maquiadas pela sinceridade manipulada (se a sinceridade é manipulada, ainda atende ao conceito original ou deixa de servir ao significado etimológico? Pergunta desnecessária?).
                                   Para facilitar, nós aprendemos facilmente a ouvir o que se deve ouvir e a responder com fórmulas prontas: respostas vazias de intenção não geram especulação, nem responsabilidade, nem movimento, nem interação, nem... Deve surgir desse ponto nosso desvelo pela literatura, arte de produzir ficção plausível, verossímil o suficiente para ser crível, mas não necessariamente provável do ponto de vista dos envolvidos. A arte e a vida dizem de si mesmas por espelhos côncavos. Pois, talvez!  Somos estrategistas natos, sobrevivemos às lutas internas e externas e convencemos a nós mesmos de um poder natural de um sobre o outro. Daí a urgência de filósofos modernos, mais ou menos sofistas, para dar conta da demanda de nossas verdades.
                                   Tudo bem?
                                    Tudo bem!
                                                            "Uma verdade claramente compreendida não
                                                               pode ser escrita com sinceridade."
                                                                     Marcel Proust

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