CONVIVÊNCIA: UMA PRÁTICA SUSTENTÁVEL!
CONVIVÊNCIA: UMA PRÁTICA SUSTENTÁVEL!
_ Quando o exemplo vem das
crianças _
"Aprendi que um homem só tem
o direito de
olhar um outro de cima para baixo para
ajudá-lo a levantar-se."
Gabriel García Marquez
Em minha rua brincam crianças. Idades
diferentes, tamanhos diversos. Meninos e meninas encontram-se para correr e
conversar como se a década não fosse esta. Quem ouve os gritos disparados sem
aviso perde-se no tempo e nas rodas das bicicletas, no vaivém dos gizes
coloridos que pintam as calçadas de cimento, na curva das bolas de couro que
sobem e descem a depender da força do pé descalço. As risadas soltas, redondas
de alegria simples, invadem portas e janelas, tomando de assalto anunciado as casas de minha
rua, especialmente ao cair da tarde, quando os pequenos cumprem com um ritual
divertido de encontrarem-se, assim, como
que por acaso todos os dias.
Distantes do fio pessimista que açoita a todos
nós, adultos em fase de contrita frustração - generalizações e insinuações
prosaicas à parte -, os menores mergulham nas brincadeiras resgatando o que
deixamos há décadas e décadas atrás: a rua tranquila. Essa que é uma espécie de
"zona franca", palco de encontros e desencontros, já foi lugar de
recreação e reuniões informais, uma extensão dos quintais das casas que se
alocam ao redor (ou... é o contrário? Seriam as ruas a se colocarem por entre
as casas, como linhas soltas, riscadas sobre a terra pavimentada? Não sei! A
demarcação de espaços públicos não é mais uma questão de infraestrutura e
prospecção do Plano Piloto das metrópoles. Da vã demografia surgem ruas e ruas
e ruas, feito veias abertas pelas quais se drena o sangue e a vontade dos
munícipes mais urbanos.). Por conta da
insegurança crescente, da trafegabilidade intensa, dos riscos visíveis e
invisíveis que espreitam a todos e a qualquer um, caminhar pelas ruas das
cidades povoadas - a alusão aqui é
pura ironia - é, por si só, uma grande empreitada. Quem se arrisca, vira
petisco! Alvo desejável pelos que fazem das vias públicas um espaço para o esbulho,
o desgabo, a cabronagem, entre outras
formas insuspeitas de avançar sobre as posses alheias e o próprio alheio.
Minha
rua tem crianças / Que brincam sem cansar/ As crianças que aqui brincam /Não
procuram outro lugar... com as devidas escusas pelos trocadilhos infiéis, a
Canção do Exílio de Gonçalves Dias versificaria
atualizada o fustigante exílio contemporâneo que a insegurança nos impõe. Fechar-nos
para a rua é condição de sobrevivência e em nome dela, abortamos experiências
que permitiriam sorvermos a solidariedade em doses altamente apreciáveis. Qual
o paralelo entre as brincadeiras infantis e as ruas de nossas vidas? O espaço
para a convivência segura! Presumivelmente segura, uma vez que o controle da vida
só a ela própria pertence e a ninguém mais. Não é seguro conviver com demandas
imprevisíveis e incontroláveis que exigem preparo e atenção constante. Mas
enquanto as crianças crescem, munem-se do que as rodeiam para descobrir que não
apenas os carros em alta velocidade oferecem perigo. Bom seria a gradação em
níveis homeopáticos: uma lição a cada ciclo. Contudo, os acontecimentos atropelam
a pedagogia da vida; poucos podem abrir a porta da frente e sentar-se nela.
As crianças
de minha rua privilegiam-se com um
espaço construído a muitos olhos. À frente da porta vejo um grupo de pequenos
cidadãos crescerem em brincadeiras e aprendizado. Com avidez, observo as cores tomarem
as calçadas, as bolas - não mais de capotão - invadirem os jardins, os gritos
ultrapassarem os saudáveis 90 decibéis. E tudo isso é mágico e alentador.
Na rua que
não é minha saboreio e participo do
movimento das crianças para salvar um cão faminto, para juntar cobertas e
aquecê-lo nas últimas noites frias. Para buscar alguém que o adote e ame. São
as crianças que hoje mostram-me o quanto
é sustentável conviver sobre os paralelepípedos urbanos, aceitando que nem
todos os transeuntes são um perigo à segurança. Nem todos. O que nos rodeia
agora, trouxe apenas algumas pulgas e muitos carrapatos. Nada que um bom banho
não resolva. Melhor: as crianças já
resolveram.
"A
grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo que
seus animais são tratados. "
Mahatma Gandhi
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