PARTE I
PARA
NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DO AMOR... PARTE I
“Conseguimos
encontrar tantas dores quando a
chuva cai...”
John Steinbeck
Levanta-se ainda cedo o desejo
de pertencimento. Junto com ele, o
desejo, agregam-se os primeiros impulsos para o encontro do amor. Como se
alijado da vida, instaura-se unívoco em natureza de entidade independente e
movida por sortilégios. Diante das janelas que protegem da chuva e das noites
frias, o coração alquebrado pelas crenças herdadas busca fora de si o mote da
melancolia. É a metáfora do amor, verbo transitório, nascido da concepção
numérica de um para um: às metades da laranja equalizam a insólita equação das
diferenças sincronizadas.
Quem ama
sofre? Sofre quem não aprende a amar
a si mesmo e responsabiliza um ente externo pelas agruras da potente solidão
interna. Ou seja: sofremos! Somos educados para formas de amorES possessivos,
inflexíveis, materializados na presença do outro
eternamente disponível. Parece óbvio.
Não! Parece aceitável porque nos acostumamos a desejar, ter e prender. Quem ama
exige o reconhecimento do sentimento dispensado e cobra a permanência do objeto
amado em estado de prontidão. Em contrário, fragmenta-se a estrutura do ego imaturo,
incapaz de combinar amor e libertação, amor e aceitação, amor e desprendimento.
Afinal, amar e não possuir indicam experiências platônicas e desprovidas de
mérito, não desejáveis na orla das necessidades viscerais.
A filáucia é inerente à natureza humana e têm
servido historicamente para amalgamar as correntes dos amores passionais, violentos,
patológicos... indefensáveis sentimentos
que deslizam para outra natureza que não a do amor e menos ainda a dos afetos
humanos. Então, amar é um processo de vias múltiplas, lugar comum para as
justificativas injustificadas. Não creio! Ou, não aceito! Mas o que penso move
tão somente as rodas de meu próprio moinho e, dele, a farinha deve servir à
mesa de minhas receitas pessoais. Ou... não?
Observo e participo, consciente e
inconscientemente, do intrincado jogo da rede entretecida a qual pertencemos:
imbricados, interligados, conectados; a moenda não faz a roda movimentar-se.
Nós o fazemos! E os lotes de farinha, produto de movimentos diversos,
misturam-se na imprecisão de nosso crescimento mais ou menos tangível, mais ou
menos responsável, tornando quase impossível dizer quem é quem no mundo de
tantos sujeitos cruzados. Talvez aí se inscreva a natureza insustentável do
amor. Tentar defini-lo em padrões compreensíveis seria o mesmo que descobrir o
primeiro discurso puro e fundador da linguagem, ou o vice do verso, vice e
versa. Brincadeiras sérias que enfastiam alguns e estimulam a outros. Amar não é
um verbo intransitivo na gramática da vida real. Penso que Mário de Andrade bem o sabia, por isso escreveu a obra homônima,
dizendo o que não disse, mas deixou escrito na linguagem mestiça que tanto
escandalizou sua época.
Amar é um verbo em estado de fazimento, de potência aberta. Faculta-se
a possibilidade de estarmos providos de hereditária vontade para amar,
simplesmente amar. Estamos?
“Os homens ofendem mais aos que
amam do
que aos
que temem.”
Maquiavel
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