ALÔ, ALÔ MARCIANO...

           ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU    
                                                                               “Alô, alô, marciano,
                                                                                 aqui quem fala é da Terra
                                                                                  prá variar estamos em guerra...”
                                                                          (música de Rita Lee, sucesso de
                                                                                            Elis Regina)
                                        

                                                    Ah! Tenho gostado visceralmente mais e mais e ainda mais de filmes de ficção. Como uma catarse invertida, a consciência sobre o ficcional que beira o improvável (quando literalmente não o é), afasta-me das condições medievais de nosso comportamento triste, roto e repetitivo. Assunto gasto, mas em pauta quente como se o forno de nossas emoções moldasse sozinho as intempéries emocionais: caricaturas do inaceitável e provável mundo animal.
                                                     Infelizmente, quando o filme termina e a pipoca já perdeu o sabor, volto para um conflito pessoal: ouvir os pássaros cantando como se aqui em baixo acompanhássemos a harmonia sonora de quem olha de cima. Absolutamente, não quero deixar de ouvi-los, mas igualmente, não quero enfrentar a colisão com o espectro extra-humano da terrestre improbidade. A natureza humana é dual. Trial (termo comum ao universo linguístico quando o eu e o tu de determinadas línguas envolvem especificamente um terceiro elemento). A natureza humana é plural: a síntese está na multiplicidade ambivalente, inconsistente e subjetiva de sua configuração sem previsão de reset. Ou seja, a macróbia e bíblica briga entre o bem e o mal, desenvolve faces descarnadas na disputa por espaço com novos aspectos decorrentes de nossa natureza ímpar. Os pássaros cantam.
                                                     Tememos uma invasão alienígena? Somos nós os aliens dotados da devastadora capacidade de aspergir veneno como se fosse açúcar de confeiteiro. Sem exageros, penso na maldade às vezes indelével do bullyng, do assédio, da cobrança por padrões de beleza, sucesso, riqueza, de felicidade ebúrnea. O motivo desta destilação textual é um acontecimento sem efeito sanguinolento, sem proporções catastróficas, graças aos céus!,  mas não menos danoso e eloquente. Por si só, na minha ignóbil leitura de mundo, os Concursos de Misses são uma prova rentável e luminosa de atraso, miopia, decadência, bronquice, estupidez, cegueira, estreiteza, ablepsia, turvamento, desinformação, boçalidade entre outros lexemas bem guardados no dicionário da língua viva. Pois, a leitura é minha. Eu penso o quê penso e pago o preço por fazê-lo: não há vencedores em uma guerra, seja ela qual for; não falta alimento no mundo, sobra ganância; o problema não são os políticos corruptos, mas os eleitores sem vontade política; a balança da justiça não está desequilibrada, o conceito perdeu efeito, tornou-se manco, insalubre e tendencioso; as drogas não matam, os usuários mortos enriquecem a vida dos atravessadores; a beleza não é essencial, foi o Vinícius que se tornou imortal; a miss de Minas Gerais não é gorda, mas o povo esqueceu que a maldade aparece assim, no canto da esquina das bocas venenosas. Aos brados retumbantes de “baleia”, um pequeno e doloroso conflito deve ter encontrado eco dentro e fora do corpo esguio da bela mineira: gorda? Ela? E se fosse? Sim, estamos em guerra! Uma guerra surda e fedorenta contra a maldade individual, pano de fundo para o mal coletivo que ganha força nas vozes sem discurso: padrões medievais?
                                     Os marcianos não ouviram o clamor da Pimentinha que celebrizou a música construída por Rita Lee em momento de história pessoal que vale ser conhecida. Nenhuma guerra entrona um vencedor. Coroam-se os perdedores, todos aqueles que negam a premissa sem precedentes da assertiva metafórica e inconclusa: “assim na Terra como no céu”.  


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