UM CONTO SEM PONTO

  AMOR NO ESCURO



                                          Bragantino revirava-se na cama.  A noite estava terminando, mas a escuridão de sua alma não conhecia esse detalhe.
                                          Deixara a aporta aberta na esperança dela voltar. Mas qual o quê!, dormir nessa expectativa?... entra ela ou entra alguém com interesse diverso. E diversas eram as coisas que ele queria proteger. A começar pelo seu ego já para lá de estilhaçado.
                                         Mulher dos infernos!
                                         Quem o mandara não ouvir sua mãe!?
                                         Mãe não erra, mãe cheira de longe o perigo que o filho corre quando ingenuamente coloca o coração na frente dos fatos.
                                         Apegara-se por demais àquela, àquela coisa gostosa de mulher meio branca, meio parda, meio ruiva, meio... meio tudo!!! Ai! Era bom demais sovar as mãos naquelas pernas compridas, caminhar pelo pescoço, ralar os beiços no peito, peito... o peito daquela mulher dos infernos ardia em concha na ponta dos lábios. Ardia e fazia falta na mão aberta.
                                       Mulher bandida! Levantara os olhos para o capenga do Bequinho, homem fácil, corredor de rua em noite de bordel aberto.

                                        Bequinho, Bequinho! Onde estava sua cabeça quando pensou que eu, Bragantino Josué Matagallo não fosse perceber a quebração de gosto? Homem que rala o olho para cima de mulher alheia merece ser... merece o quê fez para merecer!
                                       Mulher infernal! Infame! Boa de doer na goela seca! Sacana! Dadeira! Sem freio nas rodas... gosta da coisa do jeito que o bicho quer.
                                       Ai! Entra minha linda!
                                       Faz gemer essa porta do diacho. Tá aberta, abertinha para você entrar!

                                       Volta, volta logo que eu estou secando de vontade de agradar você!

                                       Ô Vilminha! Larga o queixume de mulher emburrada.
                                      _ Tô com ciúme, porra! Filha da puta! Ô mãinha! Ô filho desnaturado que tu feiz! Ô tristeza do caralho!

                                      Bragantino exprimia a própria sorte deixando de lado qualquer pudor.

                                     A ausência de Vilminha era fato.
                                     Brigara com a mulher amada por causa dos olhos espichados para o lado e para baixo. Mais para baixo do que qualquer homem de brio daria conta. E ele bem sabia o que Vilminha buscara confirmar. Não dizem por aí que o tamanho do nariz de um homem é a medida de seu instrumento? Como alguém conseguira inventar tamanha barbaridade era outra coisa a se compreender. Mas acontecia de muita gente acreditar no ditado popular e procurar os volumes , digamos, os volumes do nariz debaixo.

                               Vilminha negara. Até mesmo rira debochada de tal constatação.

                                _ Tu procurava sim que eu vi! Vi com esses dois olho que a mamãe abençoo.

                                _ Que a terra ai de comê, seu bocoió!

                                _ Que comê o quê! Tu tá me agoirando, mulher dos inferno.

                                 _ Áhhh! Tu nem sabe se eu já não conheço os istrumento do...

                                 Foi aí, nesse exato momento que Bragantino Josué Matagallo descobria o poder e as consequências da mão solta. Não deu tempo de recolher o tapa que atravessava a cama.
                                Vilminha, peladona do jeito que gostava , virou os peitos para baixo com a força dos dedos que marcavam a sua boca.
                                Boca gorda, desenhada para colar nos lugares certos, pegava de jeito o que quer fosse colocado em pé à sua frente.
                                Essa boca, não! Não fora feita com tanto capricho para apanhar de qualquer um.
                                Sem olhar para trás e sem dizer uma única palavra, Vilminha saíra nuazona tal qual se encontrava.
                                Nádegas apertadas pela raiva e pela pressa. Passos deslocados  pelo peso do peito que arfava, mãos eriçadas em direção ao virtual membro do mecânico ausente.

                                 _ Vô capa esse homi. Vô cortá as coisa dele em pedacinho bem pequeno. Vô...
                                A rua abrigava toda aquela volúpia enraivecida, ofendida, magoada pela mão do mecânico enciumado.
                               Os assobios repetidos acalmavam a revolta de Vilminha.
                               Até um sorriso aparecia nos lábios mais vermelhos do que de costume. A cabeça coberta pelos longos cabelos volumosos ia se empertigando pouco a pouco. Salva pelos elogios às suas partes expostas.
                                            
                              Sem o chão por debaixo dos pés, Bragantino ligara para a mãe, sempre ela a socorrer o filho que, de tão bom, tão bom que era cometia certas sandices. Tudo culpa das mulheres da vida que não sabiam cuidar do menino dela. Nenhuma mulher merecia aquele tesouro de homem tão bom! Mas ela avisara. Bragantino se tinha um defeito era o de ter uma orelha comprida. Puxara ao pai, um pouco teimoso o coitado! Algumas vezes, o seu menino demorava a ouvir os conselhos de quem o carregara no ventre, que varara as noites com os choros de barriga doída, de nariz entupido, de medo sem razão. Mas era assim mesmo. Filho demorava a ouvir e quando ouvia a mãe nem precisava dizer: _ Eu disse! Eu disse!
                             Mas ela dissera. Não era uma mãe como as outras que deixavam para lá. Como se criar um filho fosse colocar no mundo e esquecer depois. Ela não! Estava ali.  Sempre pronta para o grito de “_ Mãe, me ajude, por favor!”
                              E ela ajudava! Ela corria tanto quanto se fizesse necessário para acudir o choro do filho. Mas bem que avisara. Aquela p... aquela mulher dos infernos virara a cabeça de seu pequeno. Filho único. Dedicado. Honesto. Trabalhador. Mas ela conhecia rezas pesadas. Rezas fortes. Ele iria se recuperar, levantar e encontrar uma moça direita, de família, que soubesse dar valor ao pobre coitado.
                                Bragantino chorava lágrimas de culpa. O remorso atravessava o corpo do mecânico como se longas chaves apertassem e apertassem os parafusos que ele não via.
                                Tinha parafusos soltos. Só isso poderia explicar a sua mão voando para o rosto de sua amada Vilminha!

                               _ Ô, Vilminha... Vilminha... tu fizeste por merecer. Mas perdoa esse homi que ti adora! Perdoa, mulher dos inferno! Perdoa, sua ariranha gostosa... piranha crescida em rio de pouco barro. Ô Vilminha, meu supliço!


                              Surda e longe do lamento, Vilminha não sabia dos apelos do amado, apesar de conhecer a cena melhor do que qualquer mulher de seu bairro. Mulheres como ela sabiam lidar com os seus machos. Não diziam que iam fazer alguma coisa, faziam. Não avisavam que sabiam correr. Deixavam os parceiros a quilômetros de distância. No fim, perdoavam, mas não sem antes dar uma surra no machismo deles.
                             Saíra pelada, sim. Mas quem não conhecia suas curvas? Gostava de chamar a atenção para o pouco que cobria, quando cobria. E não seria a primeira vez que seu rosto aceitara as marcas de uma mão pesada.
                             Divertia-se em sentir os homens presos aos seus encantos.
                             Claro que jamais deixaria qualquer deles passar dos limites. Bater em mulher é covardia em qualquer lugar, e ela jamais permitiria isso. Era muito mulher para não pagar a pena de apanhar em silêncio.
                             Bragantino que chorasse as mágoas, e para o bem da verdade ela sabia que nesse momento ele estava a chamar por ela. Cheio de culpa, cheio de remorso, cheio de choro comprido com a mãe na outra ponta. Um ou dois dias seriam suficientes para ele aparecer na casa dela com as mãos carregadas de um bom presente e muitas palavras de desculpas. Muitas palavras. Muito dengo. Muito jeito de pedir perdão enquanto ela carregava no “não perdoo jamais! Jamais!”
                            Sua mãe dizia que isso era errado. Que só mulheres da vida tinham um comportamento tão lastimável. Deveria enquadrar-se. O Padre Sérgio já a chamara para uma boa confissão e como garantia, a mãe pedira uma bênção completa. Com direito a óleo purificador, vários atos de contrição e muita penitência. Sim! Penitência era o que Vilma estava precisando. E mães sabem das coisas, especialmente mães de mulheres muitos bonitas, faceiras, fogosas e cheias de boa vontade para oferecer aos homens da vida. Mulheres sem cabeça!

                             _ Homi é tudo bicho dos inferno, minha filha! Tudo inguar! Não se escapa um. Por isso os bão vira dotor ô sacerdote! Ô um ô outro! Não alembra do seu pai?

                            Se Vilminha esquecia-se dos sermões da mãe preocupada, Bragantino lembrava-se de todas as palavras da sua em horas como essa.

                           _ Mulher infernal. Tu acaba com a minha vida! Você tinha razão, minha mãe! Tinha razão...

                          A porta continuava entreaberta, ou melhor, aberta. Aberta pela força da culpa que se avolumava entre os soluços do mecânico inconformado.
                          Colchão sem lençol. Travesseiros fora da cama. Camiseta rasgada em tiras de remorso e medo. Medo de perder a mulher amada era doença sem remédio. Era ferida aberta para o vento fazer troça enquanto o doente agonizava sem morrer.
                          Enquanto Bragantino Josué Matagallo gemia o que sobrara do quarto mergulhava mais fundo na escuridão de sua dor.

                          _ Dor de corno manso! É isso que eu sô, bandida! Tu acaba cumigo, mulher dos inferno. Volta, Vilminha. Perdoa o teu homi ciumento!
                         O gemido arrastava-se até a porta e voltava. Bragantino escondia o rosto enquanto as partes da vergonha expunham-se à escuridão.

                         _ Vô morrê corno! Corno de mulher que não deu, mas queria dá.
                         Novas lástimas agarravam-se às bordas da cama desfeita.

                         _ Sô um corno sem corno. Sô um corno que se adiantô as galhada... Ai! Vilminha! Vem tira essa dor de mim.

                        A mãe, a contragosto, fora dormir em casa. Bragantino insistira em ficar só na esperança de Vilminha voltar e ele fazer um grande pedido de perdão. Grande e cheio de agrados que só mulher fogosa sabe apreciar.
                        _ Volta mulher tinhosa! Volta antes desse teu homi morre de amor por ti. Tinhosa! Mulher desse teu homi... homi cum chifre na alma! Homi cifrudo! Cornudo! Homi sofredô!
                       A porta aberta rangeu com o vento que a manhã trazia. Não demoraria em o sol chegar com a cara de dia normal. Como poderia ele descer para o trabalho? A vontade era morrer ali mesmo, deitado no colchão sujo, pelado, com a cara ainda molhada pelo choro que não parava.
                        A porta aberta rangeu.
                        _ É tu, Vilminha? É tu minha safada?
                        Quando Bragantino saltou do colchão, ainda viu a sua televisão passar pela porta.

                        _ Ladrão! Ladrão! Safado! Volta aqui seu...

                       Na calçada da rua encontrou Dona Jurema.
                      Tampou as vergonhas e voltou para dentro de casa.
                       Da casa que montara para abrigar Vilminha, sobrara o colchão sujo e molhado pelas lágrimas.
                       Bragantino não esperou duas vezes. Cansado da escuridão de sua vida, ligou para a mãe pela segunda vez.

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