HISTÓRIAS DE TROPEIROS III

HISTÓRIAS DE TROPEIROS

Conto III
                                                                                       

TROPEIROS BONS DE BICO

     
            _ E você carregou as sete mulas com pano da Europa?
            _ Com certeza!
            _ Ficou avariado das ideia?
            _ Não! Tô pensando nas madama que gostam de arrastá os vestidos pelo salão da...
            O riso do tropeiro mais velho ecoou pelas estradas que ainda não haviam sido abertas. Ecoou, fez voltas contornando o tronco maciço das grandes árvores, derrubou algumas folhas novas que, assustadas, encolheram-se no chão úmido e se perdeu pelos montes que vizinhavam. Era o riso de quem duvidava do poder da mercadoria levada para negociação. Tropeiros nasciam negociadores de primeira linha. Sabiam do que cada povoado precisava para manter-se: alimentos, utensílios, a até tecidos para as roupas, sim. Mas tinham de ser importados? Isso era... era...
                _ Luxo! Tecidos de luxo!
                _ Você vai voltá cas mula carregadas do mesmo jeito que tão agora.
                _ Aposto que vendo todas as peças!
                _ Ara!
                _ Eu conheço o mercado, conheço o mercado!
                Do outro lado da fogueira acesa para deixar a noite mais segura, o tropeiro que se mantinha silencioso até, então soltou em tom baixo, mas claro o suficiente para todos ouvirem:
                _ Conhece as mulheres! Isso sim!
                Agora o riso transformava-se em gargalhadas fortes e contínuas. Aqueles homens conheciam a vida por escolas que nunca frequentaram. Eram estudantes do mundo e dos homens, dos caminhos que atravessavam a vida de um lado para outro, que uniam as pessoas e às vezes serviam para separar. Caminhos eram riscos abertos sobre a terra virgem do Brasil, cortes feitos pelo homem para aproximar-se de outros homens. Os tropeiros sabiam do que cada um precisava ou desejava. Daí que as mercadorias atendiam às necessidades e aos sonhos, aos desejos e às precisões.
                  _ Tecidos cobrem o corpo.
                    _ Ou não!
                    Outras gargalhadas juntaram-se em ondas ecoando pela paisagem. Tropeiros percorriam os caminhos que se abriam para receber as novidades. Carregavam o feijão que deveria chegar às mesas. O grão escuro era esperado junto com o sal, o açúcar, a farinha de milho, a farinha de mandioca, os cereais, a carne...
                    _ E os tecidos!
                    _ Claro! Todos precisam de roupas!
                    _ Especialmente as mulheres!
                    _ É! Mais ou menos!
                    _ Prá você é mais do que menos, claro! Vendê tecido importado no meio do mato?
                    _ Que mato? Que mato? Aquela cidade já tem saraus famosos por toda a província!
                    _ E é?
                    _ Isso mesmo! Para quem você acha que vou vender todos esses tecidos?
                   A noite ficou mais clara com as risadas que se aglomeravam em conjuntos de sons. Era sempre assim quando paravam para descansar. Tropeiros conheciam histórias, abriam caminhos e vendiam sonhos.
                    _ Sonhos? Eu vendo feijão!
                    Sonhos sempre alimentaram a alma dos homens sadios.
                    _ Só dos homens sadios?
                    _ Hum?!!!
                    _ E a alma dos homens loucos?
                    _ ...
                    _ Ara!!! A gente estava falando sobre tecidos!
                    _ E feijão!
                    Possivelmente ali, entre os tropeiros sentados ao redor da fogueira, surgiam as primeiras teorias sobre as leis de mercado: oferta e procura, ciência da propaganda, logística, "marketing", consumo e persuasão. Mas essa é outra história. Enquanto isso, as gargalhadas carregadas de alegria e esperança espalhavam entendimento sobre a vida e sobre os homens.
                     Eram os tropeiros de nossa região.






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