QUANDO
A DOR SUPLANTA A VIDA…
"Eu só
peço a DEUS
que a dor não me
seja indiferente..."
(Mercedes Sosa - Sólo le pido a Dios)
Se nos fosse permitido chorar apenas as dores do corpo _ o que
em vários casos já é muito, dada a natureza da dor __, talvez descobríssemos um
lenitivo através das lágrimas derramadas. Mas a complexidade humana impõe à sua
essência um labirinto de sensações nem sempre sustentáveis.
Há dor nos olhos que não choram?
Em que lugar se esconde
a dor dos que perambulam pela vida arrastando amargos passos em corpos sem
feridas?
Qual é o rosto da dor
dos que não suportam a dor de estarem vivos?
Estar vivo dói?
Quando a dor invade a alma, a mente, a
essência, o âmago, o interior, a substância emocional ou qual seja o nome que
se dê para o subjetivo e inominável "self" humano, há de se pensar no
peso dessa dor. No peso e na insustentabilidade do sofrimento.
Outro dia encontrei
alguém entregue ao mundo que havia criado com o uso abundante de substâncias
ilegais. Quem ia ao meu lado proferiu com firmeza: "Olhe só para ele! Não
quer nada da vida! Passa os dias assim!"
Perguntei se já fora
tratado. E obtive a resposta contundente: "Quê?! Já tentaram tudo! Tudo
mesmo! Ele não se ajuda!"
A extensão e o peso
daquela dor tinham a marca da ilegalidade. No rosto sem cor, aquele moço
deixara a juventude em algum lugar do passado. Olhava sem ver, respirava sem
sentir. Não estava ali, naquela calçada movimentada e colorida pelas conversas
dos que também carregavam dores, maiores ou menores, mas carregavam-nas. Carregavam-nas.
Sobreviviam a elas e apesar delas.
Por alguma razão, aquele
moço anestesiava-se da vida. De alguma forma, a dor que sentia era maior do que
ele mesmo.
"Ele não se ajuda!",
"Não adianta!"
O decreto de quem olha
de fora uma dor que não partilha, não reconhece, não identifica. Um decreto e
um abandono. Outra forma de dor.
Pensei nas outras dores,
naquelas que recebem o apoio legal e nem sempre terminam fora do sistema
social. Pensei na dor das famílias dos que sentem dor.
Pensei em minhas próprias
dores e em todos os momentos que elas visitam minha alma. Sim, acredito em
alma, pois estou com ela para cima e para baixo em minha vida de aprendizado. E, diante de um rosto apagado como aquele, no
meio da multidão cheia de vida e de dores, minha alma chora. Não é a primeira
vez, não será a última. Mas não quero valer-me da indiferença para sucumbir à
anestesia da generalização simplificada.
Mercedes Sosa cantou uma
oração por razões outras. Quero tomá-la como sendo minha súplica e pedir a Deus
que não me torne indiferente.
Penso
que estar vivo dói, na mesma frequência em que se vive a potência da alegria,
do prazer, da felicidade. Faz parte da dualidade da vida. Ou não? E de alguma
forma, alguns de nós têm uma tolerância maior à dor.
"Para que sofrer se não se pode fazer
nada?"
Se meu amigo está certo?
Não sei! Mas COM PAIXÃO, assumo a "compaixão" enquanto companheira de
vida e...
"...
que a morte não me encontre um dia
Solitário sem ter feito o que eu queria."
(Sosa, na mesma canção)
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