Mãe! O espelho está me copiando!
Mãe! O espelho está me copiando!
DEDICATÓRIA:
“Aos meninos
perguntadores.”
Ele era alto para a idade. As
palavras saíam aos borbotões:
_ Mãe! Olha o espelho
copiando a minha boca. Eu faço e ele faz, eu olho e ele olha também. Tem outro
eu dentro do espelho. O que ele está fazendo ali?
_ Filho... deixa o espelho
e vem brincar.
_ Eu estou brincando, mãe. E o outro eu está
brincando comigo. Dá para tirar ele dali? Vamos virar o
espelho?
Era assim a cada
descoberta.
Às vezes, a pergunta
virava uma aventura que, sem cuidado e atenção, poderia tornar-se perigosa.
Quem disse que crescer
era fácil?! Não! Não era fácil, mas era muito simples. Bastava que se tivesse
paciência e muita paciência para aguardar o tempo de cada ciclo.
De susto em susto, eu
também aprendia. Quem estivesse por perto aprendia também.
Antes de completar três
anos de idade, fomos levar Pedroca para passear no sítio de uma amiga.
Era o céu! Ou melhor,
era até Pedroca descobrir que no lago perto da casa existiam peixes.
Mostramos a ele
que os peixes precisavam da água para permanecer vivos. E antes que qualquer um
de nós desse conta de seus movimentos conseguira puxar a rede que separava
algumas traíras.
Pedroca separou a
maior e estava a “estudá-la” quando o encontramos abrindo a boca do peixe.
Abaixado, segurava o peixe que se debatia:
_ Você está
respirando, peixinho? Vou soprar em sua boca e você...
_ Pedroca!!!
_ Estou estudando o
peixe. Quer ver a língua dele?
Devolvido o peixe
para a água, e feitas as explicações devidas, Pedroca pediu que se esvaziasse o
açude e levássemos todos os peixes para casa.
_ Por quê? O que
faríamos com tantos peixes?
_ Eu também quero plantá-los no
jardim de casa. Daí...
Pedroca vira algumas traíras serem
enterradas, pois haviam morrido de causa desconhecida e não poderiam ser
consumidas sem risco.
Sob novas explicações acerca de os peixes não
poderem ser plantados, Pedroca descobriu o chiqueiro de porcos.
Melhor, o chiqueiro
não oferecia riscos de afogamento.
Não, afogamento
não!, mas o piso do chiqueiro poderia ser muito escorregadio. Foi o que Pedroca
descobriu enquanto tentava “estudar” como os leitõezinhos, com os olhos
fechados, encontravam as “tetas” de suas mamães.
_ Tem uma para cada um? E se a
mamãe deles não tiver leite? E por que...
Depois de um banho
com muito sabonete, “shampoooooooo” e mais sabonete, Pedroca resolveu observar
as vacas no cercado. Possivelmente o banho demorado o acalmara. Acalmara?
Acalmar era uma
necessidade para nós.
Quando menos esperávamos,
lá estava ele, “conversando” com o Senhor Boi para “estudar” o lugar de onde
saíam os chifres.
_ Será que dói?
Eles são tão pontudos! E são...
Quem estava por
perto ajudava nas explicações que jamais cessavam. Depois de uma resposta,
havia sempre um infinito de perguntas.
Naquele dia, resolvidos a passar o
final de semana no sítio, fizemos uma cama para Pedroca no chão do quarto. Era
difícil deixá-lo no colchão, pois qualquer colchão era pequeno demais para o
espaço que ele precisava.
Quando acordei, próximo à madrugada, o que
vi fez com até os peixes acordassem dentro do açude.
_ Meu Deus! Uma
aranha!... uma lesma!...um sapo!...
Não havia
engano, não! Todos esses bichos estavam sobre a cama improvisada de Pedroca.
Não sei como o
carreguei para fora...
Não houve quem
não acordasse!
A correria foi
grande. A gritaria maior e o susto...!, o susto só não aconteceu com ele!
_ São meus
amiguinhos! Vocês não disseram que Deus criou todos os animaizinhos? Então, eu
estava “estudando” suas patinhas, e...
Demorou. Demorou
a juntar explicações convincentes.
Demorou alguém
sentir vontade de dormir outra vez.
Na manhã
seguinte, antes de colocar o pé para fora da cama, revistei todo o quarto. E,
claro!, Pedroca já saíra.
Da varanda podia
ser visto, entre as galinhas do galinheiro. Levantava a asa de uma, as penas de
outra... e logo chamou:
_ Mãe! Vem ver a
minha experiência!
Um frio percorreu a
minha espinha. A minha e a de quem estava no sítio. Fomos para fora em um pé
só.
A experiência
estava lá: um sapo amarrado por uma perna diante de uma folha de alface, uma
espiga de milho e um pêssego maduro.
_ Olha! Ele vai escolher
qual deles para comer?
Ninguém quis
apostar. Mas outra longa conversa sobre não colocar as mãos em qualquer animal
se deu até a metade da manhã.
Até o meio dia,
Pedroca já havia desmanchado um formigueiro para “estudar” a construção, subido
em uma goiabeira para observar uma lagartixa e “estudar” como ela grudava nas
coisas e... tomado leite direto da vaca.
É! É isso mesmo! Deu para entender,
não é?
Não vou entrar em
detalhes para não oferecer ideia a outro Pedroca que exista por aí. Verdade que
eles já têm ideias suficientes e não precisam de nenhuma outra.
Estou aprendendo: cada
Pedroca que nasce tem uma legião de anjos de guarda para eles e outra legião
maior para os pais. Principalmente para as mães, porque sempre somos as
primeiras a gritar.
_ Pedro!, desce daí!
Rápido! Isso é perigoso! Vamos...
O telhado não era
um bom lugar para “estudos”. Principalmente carregando junto o gato angorá de
minha amiga. Pobre gato. Com certeza descobrira que tinha um focinho!
Em nada disso que Pedroca
“estudava” podia-se notar malandragem ou traquinagem. Era algo que não se
enquadrava em castigos ou explicações simples. Ele queria saber, saber e saber.
Para isso perguntava sem parar e “estudava” antes e depois de perguntar de
novo.
De comum acordo,
depois da visita ao sítio, resolvemos comprar um cachorrinho para ele.
Disseram-me que faria muito bem.
Sem discussão! Com
certeza a convivência com animais domésticos faz bem a qualquer um, desde que
goste de bichos, claro, e não existam empecilhos para a adoção e cuidado com
eles.
Adotamos um filhote de
labrador: uma fêmea da cor caramelo com branco. Tão tranquila e calma quanto grande
e gorda.
Nos primeiros dias, Pedroca não aceitava
separar-se da cachorra. Precisávamos negociar sempre que chegava a hora de
comer, tomar banho, ir para o quarto.
Não era nada fácil
separá-los. E às vezes ficávamos em dúvida sobre quem não deixava quem sair de
perto: a cachorra ou o Pedroca.
Muitas vezes, durante a
noite, ao levantar para ver se estava bem, deparava-me com um “monte” felpudo,
gordo e caramelo na cama, embaixo da coberta.
Mas a fase das
experiências e “estudos” parecia estar terminando. Ou não!
Adiantara-me nas
considerações:
_ Mãe! Você sabia que a Pinha tem um
xixi chamado... chamado... esqueci. Como é o nome do xixi de menina?
Bom, era só uma
pergunta. E crianças devem aprender o nome correto das genitálias ao invés de
aprender outros nomes que nada têm a ver com os órgãos sexuais.
_ Mãe!? Posso fazer uma
experiência com a orelha da Pina?
_ Não?! Por que não?!
Quero saber se ela gosta de música da H.M. deixa?
As músicas eram de uma
cantora que o amiguinho dele escutava muito. Mas colocar o fone de ouvido no
focinho da cachorra? Não! Isso poderia feri-la! Era coisa que não se deveria
fazer, jamais!
_ Mãe, onde está a corda
que segura a Terra?
_ Corda? Não entendi...
Antes de Pedroca pensar em uma
experiência neste sentido, todas as explicações possíveis lhe foram
apresentadas. Todas! Até a mais improvável para uma criança da idade dele.
Em uma manhã de domingo,
encontramos uma cena difícil de descrever. Não sabíamos se era hora de rir ou
de chorar, ou de fazer os dois ao mesmo tempo.
Sobre o sofá da sala,
encontramos Pinha tranquilamente sentada, enquanto Pedroca a maquiava com os
meus produtos de pintura facial: batom, lápis, rímel nos cílios (e cachorro tem
cílios? Eu nunca havia observado...) e até meu perfume exalava pela sala.
Mas não era só isso. Ele
“tomara emprestados” alguns adereços legitimamente femininos e vestira em
Pinha.
_ Quase pronta, mãe! Já
podemos sair para dar uma volta.
Enquanto a cachorra me olhava como quem
também pedia permissão, eu descobri que meu filho usara um fixador extra-forte
para “fixar” o pelo das orelhas de Pinha.
Era isso. Estava
complicado entender o que havia acontecido com as orelhas dela, muito retas,
endurecidas, voltadas para cima.
_ Pintei as unhas dela
também! Olha que lindas!
Sim! Estava linda! E o
que restara de minha maquiagem foi parar no lixo.
No auge do não saber o
que fazer e antes de levar Pinha para o banho, fizemos algumas fotos dos dois
para a posteridade.
Pinha e Pedro, em um dia de extremo
“glamour”.
Quem sabe não nascia ali
um desses talentos natos, coisa difícil de detectar, mas que o tempo organizava
e consagrava? Como saber?
Já estávamos famosos
entre os parentes. Ou melhor, Pedroca estava famoso. Pois ao anunciarmos ir à casa
de alguém, corríamos o risco de chegar na hora exata em que saíam para viajar.
Pedro era doce e calmo,
apenas tinha curiosidade demais para o mundo tão arrumadinho dos adultos
cansados de perguntar.
E não seria por
razões que a ele não atingiam que deixaria de “estudar”. Especialmente a
questão do espelho:
_ Mãe!, ele me copia
dali, mas não sai para brincar!
_ Olha! Copiou a Pinha
também! Quantas “gentes” têm aí dentro?
_ Eu quero entrar ali
para brincar... deixa!?
_ Espelho tem porta?
Por onde eles entram?
_ Quero “estudar” as
“gentes” do espelho...
_ Quero fazer uma experiência com o espelho
do corredor...
_ Olha! É um espelho
com “gentes” pequenininhas dentro. Ei! Vem aqui, vem...
Pedroca continua
estudando tudo o que lhe desperta a atenção.
E nós, continuamos aprendendo
com tudo o que Pedro aprende.
Quem disse que o mundo
já nasceu assim, todo organizadinho?
Bom... dá para estudar
como tudo começou.. ou não?!
_ Mãe!!! Tem outra você no
espelho!...
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