A FAZEDORA DE
BONECAS
Ivane Laurete Perotti
Dedicatória:
"Para as avós que
sustentam a infância de seus netos no seio da imaginação.”
_ Mingas!
Mingas! Não consigo encontrar a Florzinha! Será que ela... ! ?
_ Não!
Hoje o lobo está dormindo.
_ Como
você sabe?
_ Eu sei.
Está vendo aquela nuvenzinha arredondada, bem baixinha, perto das árvores
cumpridas?
_ Sim,
estou.
_ Aquela
nuvem é o sonho do lobo.
_ Sonho?
Como assim?
_ Lobos,
quando sonham, criam nuvenzinhas de poder.
_ E para
quê?
_ Nessas
nuvenzinhas eles guardam o segredo de muitas gerações de lobos.
_ E é!?
Você nunca me contou isso antes...
_ Você
nunca perguntou...
_ Mingas,
e se ele acordar e sentir fome?
_ Sim? Ele
irá procurar comida.
_ Mas... e
se... ele... sabe!?
_ Não! Não
sei! O que eu deveria saber?
_ Você
sabe, sim. Ele já engoliu uma vovozinha uma vez, lembra? E se...
_ Ah! Entendi!
Mas não se preocupe, ele não gosta de mim.
_ Quem
disse isso?
_ Eu disse
e lhe garanto que é verdade!
_ Você é
vovozinha, ele...
_ Eu sou uma vovó
grandona. Ele jamais conseguiria me engolir.
_ Você faz
outra boneca para mim? Faz?
_ Faço!
Claro!
_ E um
vestido de princesa...
_...
bordado com pedrinhas azuis...
_ É, vóvi,
você não me deixou terminar.
Antes que o lobo acordasse, Mingas dava conta
de começar mais uma boneca. E eu sabia que esta também seria especial.
Sentada no
quintal sem fim, em frente à entrada da floresta encantada, ainda tentei
reconhecer a nuvenzinha arredondada. Mas para mim, ela já parecia um camelo
manco. Seria outra nuvenzinha de poder formada pelo sono do lobo?
Queria
entrar na floresta enquanto ele estivesse dormindo.
Mingas explicava que quanto mais profundo
o sono do lobo, mais invisível ele ficava aos olhos humanos.
_ Lobo
ronca?
_ Não sei,
querida. Nunca consegui chegar tão perto dele para saber.
_ Eu acho
que ronca!
_ Por que
você acha que ele ronca?
_ A tia Lu
sempre fala que o tio Fipe ronca porque é muito barrigudo.
_ Sim, pode ser. Mas e daí?
_ Eu acho
que o lobo é muito barrigudo. Então ele ronca!
_ E porque
ele seria barrigudo? Será que...
_ É barrigudo
sim, vóvi. Ele é peludo e barrigudo. Tem focinho comprido e orelhas em pé. E é
peludo. Não toma banho!
_ Nossa! Que
lobo...
_ Eu vi. Eu
vi a pata dele outro dia querendo sair devagarzinho de dentro da floresta.
_ E saiu?
_ Não! O
Pepê cantou bem alto na hora em que a pata aparecia e o lobo voltou para dentro
rapidinho, rapidinho!
_ Nosso galo garnisé é um herói!
_ Mingas...
e se o Pepê não tivesse cantado!?
Nem sempre
ela me dava todas as respostas. Gostava que eu mesma encontrasse um jeito de
descobrir as coisas perguntadas.
Minha vida
era dividida em duas partes: uma dentro e outra fora do mundo de minha avó.
Quando eu
passava do portão da casa dela para dentro, sabia que tudo poderia acontecer.
E esperava,
esperava a hora de ir visitá-la.
_ Mingas,
você fez quantas bonecas nesta semana?
_ Bem... as
fadas tecedeiras têm andado muito ocupadas ultimamente. Assim, estou quase sem
ajudante!
_ Eu fico no
lugar delas, eu fico!
E ficava!
Ficava para ajudar a fazer moldes e a guardar
mais um segredo: a massa que fazia parte do “fazimento” das bonecas vinha do
outro lado da floresta, de uma fábrica ainda mais encantada que todo o resto do
quintal.
Mingas modelava as bonecas, as roupas das
bonecas, os cabelos das bonecas, e tudo fazia com a participação das fadas.
Fadas e lobos não se misturam. São de
histórias diferentes, mas como o quintal da casa de Mingas era muito grande,
não havia risco de se encontrarem; além disso, as fadas conheciam uma passagem
secreta para chegar à oficina de bonecas.
A oficina ficava
perto da floresta, separada por um espaçozinho muito pequeno. Mas ali o lobo
nem tentava chegar. Oficina de fazedora de bonecas é encantada e ninguém pode
entrar sem permissão. Isso era impossível.
Além disso, quando
minha vóvi resolvia entrar lá dentro, ninguém respirava. Era tanta ansiedade
esperando para ver o que ela fazia que até mesmo o lobo, dentro da floresta,
ficava em silêncio, quietinho.
Esse era um
pedacinho do meu mundo com Mingas.
_ Vóvi! Eu estraguei
o olho da Noemi.
_ Calma, Laurinha! Você
não estragou, não.
_ Mas ela não quer
abrir para eu ver se está acordada!
_ Possivelmente
porque esteja dormindo!
_ Não! Ela acabou de conversar
comigo, daí fechou só este olho, está vendo?
_ Estou!
_ Mingas, será que
a gente pode dormir fechando um olho só?
_ Não sei, Laura.
Eu nunca tentei!
_ Não? Pois então,
eu vou tentar. Hoje à noite vou deixar um olho aberto para ver as fadas da
limpeza, e...
Eu nunca descobri
se meu olho fechava sozinho ou minha avó o fechava. Nunca soube.
Ela tinha muita
preocupação com as fadas da limpeza. Dizia sempre que o trabalho mais difícil
ficava para elas. E que nós só poderíamos enxergar o que elas faziam, no dia em
que entendêssemos isso.
Eu achava difícil entender essa parte, não
porque não soubesse que as fadas da limpeza faziam um serviço cansativo. Mas
porque para estar dentro da oficina de Mingas eu faria qualquer tipo de
trabalho, até mesmo o de polir as bonecas. Coisa que ela impedia qualquer um de
fazer.
Quem sabe um dia,
quando ficasse maiorzinha, Mingas me deixasse ver as fadas da limpeza.
E tinha ainda as fadas da costura.
Mingas sabia costurar
como ninguém, mas eram tantos os vestidos para todas as bonecas que ela
precisava de uma ajudazinha.
Cortar, costurar,
bordar, experimentar... algumas reclamavam muito quando os vestidos não ficavam
do jeito que elas queriam.
Houve uma vez, bem antes
de eu nascer, que minha avó precisara de ajuda para vestir uma boneca. Todas as
fadas tecelãs acudiram e... nada!
Chamaram as desenhistas
e. nada!
Foram buscar a fada das
cores e. nada!
Ninguém convencia a
boneca “reticente” que aquela roupa ficara bem nela.
Tanto trabalho deu que as
fadas costureiras pediram a Mingas que costurasse uma nova peça. Elas fariam o
acabamento ainda antes do anoitecer.
Cheia de boa vontade,
Mingas costurou e costurou e costurou. Fez um novo um vestido todo cheio de
babados e um casaquinho para colocar sobre os ombros. Tudo na mesma cor, para
combinar com os olhos da boneca.
Qual o quê! Ainda antes
de a noite chegar, tentaram com muito esforço vestir a roupa na bonequinha.
Nada! Ela nem descruzava os braços para o vestido passar.
Ficava lá, batendo o
pezinho e fazendo ar de quem iria a qualquer momento começar um choro sem fim.
As fadas e Mingas já não
sabiam mais o que fazer.
Todas estavam cansadas,
pois não era apenas daquela boneca que precisavam cuidar. Tinham uma remessa de
mais de 11 bonecas para entregar logo de manhã. Elas seriam levadas para um
hospital, onde crianças muito doentinhas esperavam por elas.
Quanto mais se
esforçavam, mais teimosa a boneca ficava.
As fadas foram
desistindo, uma a uma. E ali mesmo na oficina, deitaram suas leves cabecinhas
para tirar um cochilo antes de recomeçarem o trabalho. O dia era tão curto para
tantas encomendas!
Que
Mingas também descansasse e deixasse aquela boneca teimosa pegar um resfriado.
Imagine! Ela ainda estava como fora feita! Sem uma roupinha sequer.
Quando Mingas ficava
muito cansada, costumava cantar uma canção que hoje eu também aprendi.
E, cansada, Mingas
cantou assim:
"Costureira,
costureira,
Sabes bem o que fazer,
Sabes onde está a alegria
E os tecidos para coser.
Costureira,
costureira,
Veste logo o avental.
Em teus dedos delicados,
Aceita este dedal.
Vem de longe a tua procura
A moça e a anciã,
Todas as duas querem de ti
A
beleza da manhã.
Costureira,
costureira
Receba o meu penhor,
Pelas linhas e tecidos
Por todo esse esplendor.
Costureira,
costureira...”
Cada versinho vinha deslizando para fora
do coração de minha avó.
Ela cantava como a
avó dela ensinara; e que aprendera com a avó dela também. Eram muitas avós nos
mesmos versos.
A música espantava o
cansaço e trazia força para as mãos das costureiras.
As agulhas, mesmo que
levinhas são como as enxadas que furam a terra para dar um bercinho às
sementes.
As
agulhas abrem espaço para as linhas abraçarem os tecidos. E como a terra, os
tecidos às vezes também não gostam de ser invadidos. São firmes, resistentes,
difíceis de furar.
As agulhas, incansáveis, precisam ir e
vir tantas vezes quantas se fizerem necessárias para abraçar com segurança as
dobras dos tecidos cortados. Se não for assim, no primeiro movimento de braços
e ombros muito fortes, as linhas são expulsas de seus buraquinhos e o tecido
abre-se inteirinho.
Vida de costureira não é fácil. Mingas cantava.
Melhor cantar do que reclamar.
Enquanto ela cantava, a
boneca teimosa ficara lá, emburrada, com o pezinho subindo e descendo sobre o
tampo do balcão. Era a única a estar sem roupa. Todas as demais bonecas
desfilavam umas para as outras mostrando seus belos vestidos, suas capas, suas
saias de organdi, seus casacos de veludo.
Algumas exibiam chapéus
finamente entremeados pelas fadas tecelãs.
Outras carregavam pequenas
bolsas costuradas em couro e lona. Todas muito bonitas, esperando a hora de ser
entregue a uma criança. Precisavam de uma criança para continuar sendo bonecas,
essa é a lei da sobrevivência no mundo “bonecal”.
Nenhuma das bonecas queria
ser esquecida em um lugar qualquer. Por melhor que fosse o lugar, sempre iriam
preferir os braços de uma criança. Assunto acertado no mundo das bonecas e das
crianças também.
Porém, tal não parecia
fazer parte das preocupações da boneca ainda sem roupa.
Teria ela sido feita de outro
material?
Seria erro na massa?
Algum
encantamento desconhecido?
Uma doença que nunca antes aparecera?
Seria normal?
Apenas Mingas não
perguntava nem reclamava.
Cantava como se fosse essa sua única tarefa.
Cantava e cantava e cantava. Até suas mãos acompanhavam as notas da música.
De nota
em nota, toda a oficina aderiu à melodia. Não havia um retalho sequer que não
vibrasse em parceria.
As agulhas saíram
dos agulheiros, as linhas enfileiraram-se em gama de cores, os dedais subiram à
mesa de corte e ensaiaram passos de uma dança que acabavam de inventar.
As tesouras abriam e
fechavam em leque, contando a cadência de cabeça para baixo.
Tecidos em rolos
soltavam-se em longos véus, laçando cadeiras e máquinas de costurar.
Os carretéis que
esperavam novos fios, devidamente guardados entre os objetos recicláveis,
improvisaram uma participação triunfal: desnudos das cores que os legitimavam,
enrolaram-se nos restos de tecidos que dançavam embaixo das mesas.
Os pequenos retalhos
foram tomados de surpresa pela chegada dos carretéis. Normalmente sem muita
serventia a não ser a de carregar linhas e fios, os rolinhos de plástico
mostraram que sabiam mais, muito mais do que todos imaginavam. Dançaram com a
leveza dos dançarinos experimentados. Repetiram passos do tango, da valsa, do
merengue e sequer se perdiam da cadência ditada pela canção, que em nada
lembrava nenhuma dessas modalidades musicais.
Era essa a magia que dava
corpo à música das costureiras: cada um ouvia o que passava pelo centro do
coração. Não que ouvidos não fossem importantes _ ao bem dizer a verdade, nem
ouvidos nem corações estavam em pauta, pois o que se passava na oficina carecia
desses detalhes _ mas, no momento em que a música ecoava, a última preocupação
era “ouvir”.
Outros sentidos se
faziam presentes. Difícil de explicar! Mas talvez uma palavra pudesse aproximar
um pouco o que se passava do que se tenta descrever: sinergia!
Sinergia! A oficina de
Mingas estava tomada por uma experiência diferente. Tudo era possível naquele
momento!
É claro que as fadas acordaram com tanta
movimentação!
Quem poderia dormir
enquanto a oficina dançava ao som da música cantada por Mingas?
Só a boneca sem roupa permanecia no mesmo
lugar.
Em sua frente rolavam botões multicoloridos,
ao seu lado saltavam miçangas douradas, com o cuidado de grandes saltadoras
para não se perderem nas frestas da mesa.
Para cima e para baixo esticavam-se metros e
metros de fita de seda.
As fivelas, as presilhas
e os zíperes subiam pela cortina da janela e colavam-se uns aos outros,
desenhando uma paisagem florida, alegre, resplandecente.
Nada demovia a boneca teimosa. Quanto mais
dançavam ao seu redor, mais ela apertava os braços contra o peito, em sinal de
que não estava interessada. Fechada em si mesma, a boneca continuava sem roupa.
Quando Mingas terminou de cantar, terminara
também mais uma roupa para a boneca experimentar.
De uma vez só, todos voltaram aos seus
lugares.
Nem os ilhoses ficaram para ver. Jogaram-se em
carreira para dentro da gaveta recolhendo-se ao silêncio dos que sabem
observar.
E lá seriam estultos em aguardar por alguma
farpa que os atravessasse? Nunca! Não tinham estômago para tamanho descuido! A
gaveta oferecia um excelente abrigo.
Era um vestido de
baile!
Parecia não ter
qualquer costura.
O tecido leve e vaporoso juntava-se em pregas
suaves, dobrando-se a partir do busto.
As saias saíam da
cintura, onde uma fita bordada com pequenas pérolas terminava em laço, atrás,
nas costas.
Era lindo!!! Mais do
que lindo. Não parecia ser real.
Os olhos da boneca brilharam diante de tamanha
beleza.
Imediatamente descruzou os braços e deixou-se
vestir.
Realmente, era uma peça inigualável. Digna de
uma princesa em conto de crianças... ou de fadas... ou de...
_ Ei! Não entendemos o porquê de tanta
resistência diante das outras roupas. Esse vestido é principesco, mas os outros
também são muito bonitos _ era a voz da fada desenhista, um pouco descontente,
podia-se perceber.
Também pudera! Já ia
noite adentro quando...
O silêncio pesara sobre a oficina.
Um tanto quanto
desenxabida, mas nem por isso menos contente, a boneca agora vestida, deixava
também que Mingas arrumasse os seus cabelos.
_ Bem, é que... sabe! Eu...
No final, depois
de muito gaguejar, a boneca explicou que conhecia seu destino e que não seria
outro a não ser o de uma princesa.
O silêncio
quebrava-se diante de muitos óooooooohhhhsss!!!!!!!!!
Não era possível saber se de concordância ou
contrariedade. Mas foram todos unânimes em mostrar espanto e surpresa e espanto
outra vez diante da fala da boneca.
Sim, muito
espanto!
Pois para quem
quisesse saber ou duvidasse, só existia um destino para as bonecas criadas por
Mingas. Um só: os braços das crianças que amavam bonecas.
Como
uma boneca teimosa ousava entender que tinha um destino diferente?
Por alguns
minutos, a oficina parecia fora de controle. Quem não falava, gesticulava, quem
não fazia um dos dois, pensava e pensava e pensava.
Mingas nada
dizia. O sorriso em seu rosto mostrava que ela estava compreendendo algo que
para os demais passara longe.
Mingas entendera:
aquela boneca já ouvira histórias em sua curta vida de recém-fabricada. Não era
nada tão incomum assim. Bonecas também criam expectativas e essa!,.. bom, essa
deveria ter ouvido a última história contada pelos alfinetes: CINDERELA!
Por entender esse
detalhe, costurara um vestido igual ao da princesa da história.
Pronto!
Resolvido o problema da boneca, a oficina
recolheu-se para dar espaço ao trabalho das fadas faxineiras. Elas esperavam há
horas. E precisavam partir antes que o sol nascesse.
Essas
bonecas inventavam cada uma!
Mingas era condescendente _ (cuidado com essa
palavra! Alguém da oficina já a confundiu com título de nobreza... na dúvida,
procure imediatamente o dicionário!) _ demais!
A
qualquer momento as bonecas estariam decidindo a cor dos olhos e dos cabelos, o
tamanho da boca, do nariz e o comprimento das pernas.
Um despropósito!
Um descaramento!
Um...
Já imaginaram a
possibilidade dessas bonequinhas expressando vontades?
Hunf!
Hunf!
Hunf!
Era o muxoxo de
uma das fadas que agora enfrentava com atraso o serviço da limpeza.
Imaginem só! E se essas coisinhas bonitinhas
resolverem pensar?
E se pensando
acreditarem que têm direitos e direitos e direitos de ter direitos?
E se souberem
dessas histórias sobre sin... sin...
Sindicato!
Isso mesmo:
sindicato! Já imaginaram a loucura que seria nessa oficina? E... nas outras
oficinas? O que seria do mundo das fadas se as oficinas estivessem cheias de
bonecas sindi... sin...
Sindicalizadas!
Isso! Sin... sindicalizantes!
Sindicalizadas!
Hunf! É tudo a mesma coisa! Bonecas cheias de
vontade!!! Hunf!!!
Enfim, os discursos
de desagrado tomaram o rumo do cansaço.
Aos poucos, muito
aos poucos a oficina serenara. Não sem antes registrar mais algumas
considerações sobre o episódio da boneca teimosa que acreditava em destino.
Bom! Ou não!
Essa história de destino servia para alguns e
para outros passava longe.
Já imaginou se a história das bonecas pudesse
sofrer todas as alterações que a própria boneca desejasse?
Parece mais coisa da vida humana, não da vida
das bonecas.
Discutir sobre isso não dá!
Cada boneca que pensasse por si só.
E foi assim que Mingas contou acerca do
vestido e sobre a boneca.
Entendera que
naquele caso em especial, a boneca fabricada do mesmo modo e material com que
todas as demais foram feitas, conseguira fazer-se singular.
Teimosia não é
um exemplo de comportamento, mas com um pouquinho de paciência e muita
sabedoria, qualidades que em Mingas sobrava , seria possível entender que a
boneca estava tentando se expressar.
_ Se expressar?
Mas vóvi! Ela foi muito... muito...
“mal-educada”!
_ Sim, concordo. Mas
ela estava tentando encontrar uma maneira de dizer o que desejava.
_ Teimando?
_ A teimosia pode
ser um mau sinal. Mas nesse caso...
_ Nesse caso?
_ Sim! Nesse caso
eu prefiro... veja bem!, eu prefiro chamar de persistência!
_ Então!, persistência
e teimosia é a mesma coisa?
_ De modo algum, nananinanão!
_ Não
entendi, vóvi!
_ A diferença entre os dois é realmente muito
sutil.
_
Sutil?
_ Isso! Quero
dizer que é preciso prestar muita atenção para perceber que a teimosia não faz
bem a ninguém. Já a persistência! Ah! A persistência só aparece naqueles que
sabem o que querem.
_ Ai!
Vóvi, me explica essas coisas outro dia...
_ Tem
razão! Explicação demais sempre complica e... estraga a história!
_ Vóvi, faz um
vestido de princesa para mim? Faz?!Hum... vovinha! Faz!?
Se avós atendem a
desejos de bonecas, poderiam deixar de atender ao pedido de uma neta?
Especialmente, em se tratando de uma neta como Laura?
_ E se um príncipe
chegar aqui, vó?!
_
Eu o mandarei de volta para a história dele. Seu príncipe e você ainda precisam
crescer muito!
Nessas horas eu conhecia a minha avó. Por isso
o lobo não tinha coragem de engoli-la. Não era só porque estava “grande”, como
ela costumava dizer. Minha avó era muito, muito forte.
Mingas era uma avó de verdade! Nem o lobo
poderia negar!
Quanto mais eu
crescia, mais queria conhecer os segredos da oficina, do quintal, da floresta
encantada.
Não perdia tempo
com quem me dizia que os acontecimentos que eu tentava contar não passavam de
trechos da carochinha.
_ Carochinha? Eu
nunca vi essa moça na casa de minha avó!
Moça?! Carochinha
é... você sabe!
Eu vivia todo o movimento mágico da casa de
Mingas. Sabia que ali o tempo era diferente, as coisas tinham outro valor e
qualquer que fosse a experiência tinha sabor de coisa nova.
Sempre
acreditei que casa de avó era assim e que todas as crianças conheciam lobos,
fadas e bonecas conversadeiras.
_ Vóvi,
eu quero entrar na floresta enquanto o lobo dorme.
_ É, isso pode ser
interessante.
_ Mas você não pode
ir junto.
_ Não?!
_ Vó!!! Lobos sentem
quando uma vovozinha se aproxima.
_ Hummm! Talvez você
tenha razão. Mas lembre, eu sou muito...
_ Forte! Você sempre
fala isso! Mas, vóvi... fortinha ou não você é uma vovó! Só isso interessa ao
lobo... então! Não pode entrar.
_ Hummm!
_ Você faz uma
cesta de doces, eu levo junto e...
_ E come tudo antes de encontrar
o bobo...
Nossas gargalhadas
espantavam os micos que moravam no jardim e buscavam comida na cesta de frutas
da cozinha. Apenas Fräulein não estranhava. Há tanto tempo estava na casa de
Mingas, que se acostumara ao jeito de todos nós.
Foi depois de uma
olhada demorada em “Senhorita”, uma cadela gorda, muito gorda e troncuda da
raça buldogue inglês (o nome em alemão foi ideia de Mingas, claro!), que teve
início a maior e mais bem lembrada aventura de minha vida.
Ah! Como eu não
pensara nisso antes?
Aqueles músculos
todos (apesar da gordura exagerada e da teimosia típica da raça!), aqueles
maxilares fortes e largos, o focinho curto e achatado, deixavam Fräulein com
cara de cão bravo, muito bravo. Além disso, era uma raça fidelíssima ao dono.
Com certeza cuidaria muito bem de mim. Com certeza cuidaria. Então...
_ Vó! Vozinha!!! Eu tive uma ideia!
_ Mais uma? Conta!
_ Bem, você confia
em mim, não é?
_ É claro que
confio, Laura! É claro!
_ E você diz para
todo o mundo que eu sou muito inteligente...
_Sim, pois você é
muito inteligente, mocinha.
_ Então, se confia
em mim e eu sou inteligente, vou planejar uma expedição à floresta encantada e
você me deixará ir.
_ Hummmm! Eu
gostaria de ir também!
_ Não! Você fica
para o lobo não acordar com o seu cheiro!
_ Mas... eu tomo
três banhos por dia, Laura!
_ Ah! Vóvi... estou
falando do cheiro de vovó...
_ Hummmm! Tá!
Lembrei!
_ É, ele não vai
querer saber de mim e de todos os meus guardas.
_ Guardas? Quem irá
com você?
_ Isso eu explico
depois. Agora vou planejar a minha viagem. Você faz um montão de comida para eu
levar junto?
_ Faço, mas quando
você pretende ir? E, quanto tempo irá ficar? Muita comida irá pesar na sua.. na
sua moch... quero dizer, na sua bagagem!
_ Não tem problema. Já
estou pensando em tudo. Cada um irá carregar um pouquinho. E eu quero ir amanhã
bem cedo e só voltar depois de amanhã!
_ Laurinha!? Você irá dormir na floresta?
Está falando sério?
_ Muito sério. Nós
iremos dormir lá.
_ Nós... Quem você
pretende convidar para essa expedição?
_ Depois, vóvi! Depois!
Agora vou escrever meu planejamento.
Mingas levava a sério
as minhas atividades infantis. Dizia que ser criança curiosa não era exatamente
uma falta, como alguns acreditavam. Ela falava que a curiosidade, quando bem
administrada, era um bem! Então! Eu estava fazendo bem em planejar bem! Sinal
de minha inteligência.
No meio da tarde, eu
apresentava à minha avó o planejamento da expedição:
EXPEDIÇÃO PARA A FLORESTA ENCANTA DA VOVÓ MINGAS
SAÍDA: terça feira, 8 horas da manhã.
RETORNO:
Quarta-feira, de manhã (ainda não sei o horário. Dependerá da comida, se
terminar, voltamos antes. E também, do lobo, caso ele acorde, nós voltaremos
correndo e gritando).
“MAPA”
DA EXPEDIÇÃO: fiz um desenho escrito do caminho (a minha professora disse que
também se pode desenhar com as palavras...). Assim:
CASA DA VOVÓ:
a) eu saio da casa da vovó pela porta da
oficina para dar sorte.
b) Chamo os meus seguranças e confirmo todos
os nossos apetrechos para a viagem.
c) Olho para a floresta com muita atenção
para ter certeza de que o lobo ainda deve estar dormindo (eu acho que ele está,
mas quero ter mais uma certeza... e isso faz parte de um bom planejamento).
d) Olho para cima e para baixo, confirmo a
temperatura e pergunto outra vez para a vovó se não vai chover.
e) Olho mais uma vez para a minha mochilinha
com os lanches só para confirmar que estejam todos no lugar em que os coloquei.
f) Caminho para a floresta, lembrando de
todos os passos que dou, para depois fazer o mesmo caminho de volta.
g) Mais uma vez eu aceno para a vovó, para
dar um pouco mais de sorte.
h) Converso com os meus anjos de guarda (são
mais de um, a vóvi disse que eu tenho pelo menos uns oito anjos que me guardam
de noite e de dia), pois não quero que eles esqueçam o que combinamos.
i) Mais uma vez penso sobre todos os
sinais que me mostram que o lobo está dormindo e, se tiver alguma dúvida muito
forte, ainda dá tempo de perguntar para a vovó.
j) Entro na floresta e olho para trás para
ter certeza de que a vovó está me olhando.
PERIGOS:
o lobo, o lobo, o lobo. Mas a vovó irá ficar em casa.
GUARDAS
DE SEGURANÇA:
1-
FRÄULEIN: ela vai caminhar na frente para assustar o lobo, caso ele acorde.
2-FLORZINHA E BIBI: elas ficarão uma de cada lado, para não ter perigo
algum.
3-
MYNDUYN: ele vai atrás da gente, porque ele ouve muito bem qualquer ruído.
COMIDA
PARA A LAURA: a vovó vai fazer bastante comida: sanduíche que não estraga,
frutas bem lavadas que não precisam ser descascadas, várias garrafinhas de
água, biscoitos, pães de queijo que não endurecem, suco que não estraga, balas,
chocolates para dar força, barrinhas de cereais para eu comer quando der fome,
sequinhos de queijo, e batata doce assada e outras coisas que a vovó quiser.
Guardanapos de tecido e duas toalhinhas para lavar as mãos no riachinho.
COMIDA
PARA OS SEGURANÇAS: ração, água e mais ração. Cada um carrega a sua parte.
ROUPAS
ADEQUADAS: vou usar uma calça comprida de moletom sobre um shortinho; para a
tarde, se ficar muito quente. Vou usar uma camiseta da escola, boné e vou levar
dois casacos, uma capa e uma galocha. Bom. Acho que a galocha não é necessária.
Fica fora, para não ocupar espaço.
ROUPAS
PARA OS SEGURANÇAS: eles já estão vestidos. CLARO!!! DÃÃÃÃÃÃ!!!
CUIDADOS:
filtro solar e repelente contra insetos.
APARELHOS:
um celular, óculos de sol para combinar com a camiseta e várias lanternas com
muitas pilhas.
ONDE
DORMIR: na parte mais próxima da casa da vovó, dentro da barraquinha que a Tia
Lu me emprestou. Os guardas de segurança irão dormir em frente à barraquinha.
ONDE
VOU FAZER XIXI: bem atrás das árvores, a vovó falou que a urina faz bem a elas.
EM
CASO DE PERIGO: grito bem alto para a vovó ouvir!!!
IMPREVISTOS:
já pensei em tudo, se acontecer alguma coisa que me assuste muito, eu ligo para
a casa da vovó imediatamente.
Mingas aprovou meu planejamento.
Era só esperar; a
expedição seria um sucesso.
Difícil dormir.
A gente vive antes aquilo
que espera acontecer. Nem sei se já não acontece quando a gente pensa e pensa e
depois só repete o que pensou.
Não sei... essas coisas da
vida criança só vive, nem sempre entende.
Quando chegou a hora de
partir, minha expedição estava pronta. Todos bem carregados com a sua própria
mochila.
A meu pedido, Mingas ficou
olhando da porta de casa enquanto entrávamos na floresta. Era um momento
sublime. Eu até pedi a ela que fotografasse a saída da expedição.
Fräulien, com sua carga
pessoal, encabeçava nosso grupo.
Eu ficava no meio, era um
jeito inteligente de estar protegida todo o tempo .
Na entrada da floresta,
após os primeiros passos dentro da mata, ouvi que as árvores sussurravam sobre
nossa chegada. Queriam ter certeza de que minha avó ficara em casa. Claro que
ficara! Não a deixaria correr esse risco. Imagine só!
Algumas árvores mais
altas deitavam os galhos bem pertinho de nós, espionando, cheirando, escutando.
Árvores são sensíveis e temerosas. Avisam uma à outra sobre qualquer visita aos
seus domínios.
Os micos participavam
dessa pesquisa. Os que eram nossos conhecidos não mostraram muito interesse.
Porém, aqueles que viviam mais no interior da floresta, observavam-nos um tanto
intranquilos.
Mas isso era um
espetáculo para nós. Quanto mais bichos pudéssemos ver, mais teríamos para
contar na volta.
A única preocupação era
não fazer muito barulho. Dizem que lobos têm o sono levinho. Apesar de
roncarem. E mesmo muito curiosa, preferia deixar o lobo dormir, pelo menos
dessa vez.
Árvores, arbustos, plantas que eu não
conhecia, flores grandes e pequenas de cores variadas apareciam pelo lugar.
Não era possível cotar a
variedade de pássaros que voavam entre as folhas ou pulavam de galho em galho
cantando o seu próprio canto.
O sol entrava por alguns
espaços, mas na maior parte dentro da floresta era muito fresquinho. Quase
frio. O que me fez vestir o casaquinho que levava na mochila. E esse friozinho
era a prova de que estávamos mais para dentro da floresta encantada.
Eu sabia que no meio
dela existia um riacho, ou ribeiro, como vovó falava. Era um regato, com água
pura, purinha correndo sobre pedras lisas.
Esse riacho cortava
metade da floresta, e os animais costumavam beber água em sua cabeceira.
Estava a ouvir o
barulho da água correndo sobre as pedras, quando Florzinha deu um sinal
estranho.
_ O que foi menininha? O
que você está cheirando?
Pela forma como
Florzinha fuçava o arbusto ao nosso lado, entendi que ela percebera alguma coisa.
Logo todos os cachorros
rodeavam a mesma planta.
Cobra não deveria ser. Mingas dissera que
nessa época do ano elas ficavam escondidas, acasalando. O que me deixara bem
feliz, porque não gosto muito de cobras, mesmo as que não são venenosas. E,
sempre seria possível encontrar uma serpente encantada. Assim, melhor que elas
estivessem em suas tocas. Muito melhor!
_ Vamos, amiguinhos.
Vamos Mynduyn! Deve ser um gafanhoto comendo folhas. Vamos!
Eu mal acabara de chamar
os meus guardas quando um animal peludo saltou do arbusto. Parecia um rato,
parecia um coelho pequeno. Nossa!
O susto fora geral.
Os cachorros resolveram
correr atrás dele e eu precisei correr atrás dos cachorros.
Eis aí um acontecimento
imprevisto. Quero dizer, mais ou menos, porque os meus amiguinhos caninos
corriam atrás de qualquer coisa que se mexesse. Qualquer coisa!
_ Voltem aqui! Calma!
Fräulien... Florzinha... Bibi...
Eis uma prova de que à
vezes os cachorros ficam surdos.
Nenhum deles me
escutou. Só pararam de correr quando o animalzinho entrou por debaixo de uma
pedra e desapareceu.
Eu
precisava tirar o casaco. Correra entre as árvores e estava sentindo calor.
Procuramos a pedra mais próxima do riacho e
sentamos para descansar.
Pelo tempo
que caminhávamos, deveria ser metade da manhã. Melhor consultar o relógio do
celular. E, aproveitar para fazer uma ligação para a vovó.
_ Sim, vóvi. Nós já
vamos comer. Pode deixar. Vou lavar bem as minhas mãos.
Vovós são mães duas vezes. Por isso
tanta preocupação.
Comi um lanchinho,
enquanto os meus guardas de segurança preferiram apenas beber água do ribeiro.
Bem que, se eu tivesse deixado, teriam ficado ali, brincando na água que corria
e corria, lentamente, por sobre as pedras.
Não vou contar quantas vezes precisei parar
para fazer xixi. Isso não tem muita graça. Mas fiz tudo direitinho, como a vovó
me explicara.
Já os meus amiguinhos,
especialmente o Mynduyn, paravam em toda e qualquer árvore que encontrassem.
Não sei como conseguiam fazer tanto xixi. Não sei! Coisas de cachorro marcando
o território... eu acho!
Quando senti uma
fome maior, paramos para o almoço. Até aí eu já havia feito várias fotos. E
estava curiosa para chegar à cabeceira do ribeiro, onde sabia iria encontrar
muitos animais.
Comi e descansei.
Esperava que tudo
continuasse assim calmo, já que o lobo parecia estar dormindo ainda.
Quase me esquecera
dele!
Será que não
sentira a nossa presença?
Eu estava certa em deixar
a vovó bem protegida em casa. Se ela estivesse ali, conosco, o lobo certamente
já teria cordado. E daí, adeus excursão!!!
Decidi que
andaríamos mais um pouco e escolheríamos um lugar para armar o pequeno iglu que
a tia me emprestara. Era uma barraquinha colorida e só cabia uma pessoa dentro.
Muito fácil de armar. Nem precisava fazer força.
Quando chegamos à
cabeceira do riacho, um grande susto nos aguardava. Os meus cachorros de guarda
também se assustaram. Que animal era aquele?
Bebendo água e cheirando o ar, nós vimos uma
onça pintada. Eu sabia que não deveríamos fazer qualquer barulho, mas na hora
do susto, a gente até esquece o que sabe.
Fräulien ensaiou um rosnado, mas eu a impedi
de continuar. Melhor ficarmos bem quietinhos, escondidos, até a onça terminar
de beber.
Foi difícil
segurar a Bibi. Pequena e nervosa queria atacar a onça. Precisei segurá-la no
colo e pedir várias vezes que se acalmasse. Essa parte foi ainda mais difícil.
Bibi tremia. Parecia estar tendo um ataque.
A onça pintada
parecia não ter ouvido nada! Ainda bem! Assim, de longe (não muito longe, na
verdade!), ela lembrava um gato crescido. Um gato grandalhão.
Depois de beber
calmamente, a onça se foi ainda mais lentamente. Eu pensei que ela era a rainha
da calma. E a Bibi, a rainha do chilique.
O susto não passara
ainda, quando um tucano conhecido do quintal de Mingas fez um voo raspando em
minha cabeça.
_ Ora!... seu bico comprido! Que susto! Não
sabe avisar que está chegando?
Desconfiei que
fora mandado por minha avó para saber como ia a nossa expedição. Mingas
confiava em mim, eu sabia disso, mas ela era a única que conhecia muito bem
aquela floresta. Estava apenas tomando algumas precauções, como gostava de
dizer.
_ Tudo bem! Pode
olhar... estamos muito bem! (apesar do susto!) Não é amiguinhos?!
Bico comprido voou
junto conosco, chamando outros tucanos para fazer companhia.
A expedição crescera.
O barulho das aves
era tão alto que por um momento tive medo que o lobo acordasse. Mas foi só por
um momento, pois como por encanto, elas pararam de fazer barulho e
empoleiraram-se nos galhos de uma árvore muito alta.
As folhas
desapareciam atrás das penas coloridas dos tucanos.
Eles haviam
encontrado um belo lugar para passar a noite.
Então, eu armaria o iglu para dormir ali também.
Coloquei as lanternas uma ao
lado da outra, e as pilhas de reserva emparelhadas a elas.
Desamarrei as
mochilinhas de meus amiguinhos caninos e coloquei a quantidade certa de ração
para cada um.
Claro que eu comi também. Mingas
preparara tantas guloseimas além das pedidas por mim... daria para ficar mais dias na floresta.
O riacho estava
perto e foi lá que lavei o rosto, as mãos e os cachorros brincarem por um bom
tempo.
Estava
escurecendo quando voltamos para o acampamento.
Deixei duas
lanternas acesas, só para poder olhar melhor a paisagem que escurecia.
E não é que
dentro da floresta a noite parecia mais escura?
Melhor entrar no
iglu e fechar o zíper. Os meus fiéis guardas de segurança dormiriam na porta
dele, um pertinho do outro, como sempre faziam.
Ajeitei-me entre
as duas lanternas acesas e não gostei muito do resultado.
Para dormir logo,
antes que escurecesse ainda mais, resolvi brincar de desenhar sombras na parede
da barraquinha.
Péssima ideia!!!
Sem querer,
minhas mãos desenharam um lobo com a bocarra aberta. Depois dele, outro lobo
com o focinho para cima. E mais outro, e outro.
Não conseguia
desviar o pensamento do lobo que ainda não vira.
Ele deveria
estar dormindo e Mingas dissera que quanto mais profundamente dormisse, mais
invisível ficava aos olhos humanos.
Estaria dormindo?
Será que não sentira
o cheiro das guloseimas?
Não! Lobo não gosta
de guloseimas. Apesar de ser muito barrigudo, pançudo mesmo! Ele só era glutão
em relação a...
E se ele sentisse o
cheiro dos abraços de Mingas em minhas roupas?
Será?
Melhor dormir logo.
Se ele se
aproximasse, meus amiguinhos dariam o alerta.
Além disso, o
celular estava bem ali. Com a bateria carregadinha, carregadinha. Não havia
perigo.
Não? Não mesmo?
Ai, não estava
gostando naquele friozinho que começava a aparecer na barriga.
Estava quente ou estava frio?
Por que só os grilos faziam barulho? E isso?
Seriam corujas?
Folhas tremem?
Galhos se mexem?
Eram grilos! Claro! E quando tem grilos é um
sinal de que nenhum bicho os comeu!
Bichos? Ai!!!!
Melhor prestar atenção na conversa dos grilos.
Não é exatamente por isso que eles são chamados de “falantes”?
Claro!
Muito claro! Existia até uma história interessante sobre um “grilo
falante” que era fi... fisófolo... ou filósoflo... ou... bem! Não importa o que
ele era além de falante! Era falante e
pronto! E quem é falante fala muito, muito mesmo, possivelmente, porque pensa
muito também! Igualzinho a euzinha! Mas eu não estava falando, só pensando,
porque a voz não estava falando para fora, só para dentro! A voz não queria sair
para não me assustar mais e, além disso... eu poderia assustar os meus guardas
de segurança! Melhor falar para dentro e ouvir a conversa dos grilos. Mas eu
não aprendera “grilês”, e isso poderia ser um problema, porque para escutar a
conversa de alguém, a gente precisa falar a mesma língua! Não! Não é a língua,
porque a língua fala sozinha, ela se mexe, sai para fora da boca, igualzinha a
minha língua que passava e passava saliva nos meus lábios. O nome deveria ser
outro, porque língua eu tinha e pelo jeito os grilos também tinham, pois não
paravam de falar. E não deveriam parar de pensar também!
Ai!!! O que será que eles
falavam? Eu... eu bem que queria saber para não pensar tanto no medo que já
estava esfriando as minhas costas!
Os grilos não sentiam
medo, eles estavam em casa. Eu também!
Os grilos falavam, as
abelhas falavam, as formigas falavam...
E!...e. e...
Grilos?
Grilos, formigas,
minhocas, cupins...
...a... ar...
aranhas.!
Aranhas fazem
barulho?Aranhas conversam?
... a... ara...
aranhas!!!
Não pensara nisso!
Esquecera-se das
aranhas!!!!
_Vooooooó!
Mingaaaaaaaaaaaaasssss!!!
Só no outro dia
meu pai foi buscar minhas coisas.
As duas lanternas estavam com as pilhas
descarregadas e as formigas haviam atacado minha comida.
_ Tudo bem! Tudo
bem, meu amor! Você fez ótimas fotos e conseguiu não acordar o lobo.
_ Será, vóvi?
_ Com certeza! Está
vendo a nuvenzinha sobre as árvores? Ele ainda está em sono profundo.
Além de mim, os meus amiguinhos acompanhavam a
mão de minha avó apontando para o céu.
Não sei qual de nós quatro atravessou
o quintal primeiro durante o tempo que durou o meu grito.
Odeio aranhas! E
aranhas me odeiam!
Não sei como pude
esquecer esse pequeno detalhe!
Não sei como chegamos... só sei que chegamos.
Vou demorar um
tempinho para organizar outra excursão.
Por estes dias,
estou envolvida em tentar enxergar o trabalho das fadas da limpeza. Até fiz um
planejamento para acordar de madrugada e...
Não! Não vou contar agora! Esta história fica
para outro dia, pois é muito loooooooooooooonga!
_ Laura!? O que é
isso aqui na oficina?
_ Shiiiiiiiiiiiiii!!! Estou indo vóvi, não
fale mais nada que essa parte já é da outra história.
_ Outra
história?
_
Shiiiiiiiiiiiiiiii!!! Não fale... não fale!!!
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