POR QUE
SONHAR?
Não creio que ter "os pés na lua” seja um defeito. Pelo contrário,
acredito que o mundo seja construído pelos sonhos dos que têm coragem de
sonhar! E nem sei se isso é bom ou não.
E quando nossa alma silencia, penso que ela pode ouvir os sonhos
que sussurram entre si, como se pairassem em algum lugar intocado pela falta de
fé. Eles, os sonhos, devem ficar nesse espaço pelo tempo que nosso descuido se
encarrega de esquecê-los. Mesmo os que se dizem com os pés no chão devem
visitar esse espaço. Não acredito que seja possível mantermo-nos humanos sem
criar alguma ligação com as brumas da esperança.
Está vendo? Os meus pés desnudos grudaram na lua desde antes de eu
vir para cá... se é que vim. A realidade é aquela que eu crio de acordo com
minhas necessidades mais ou menos necessárias, conscientes ou inconscientes.
As
brumas da esperança têm criado formas diversas, assumido vozes diferentes,
quase desenham rostos entre os que passam através dela.
Eu queria entender os sonhos todos: os que parecem bons e os que parecem
runs. Queria entender como eles se desgrudam da forma subjetiva, imponderável
que usam no lugar de onde vêm e se manifestam aqui, onde acreditamos se tornem
reais. Fomos “acostumados” a pensar que os sonhos, por si só, têm uma conotação
altruística, construtiva, benigna. Mas a ordem do que parece real no espaço das
manifestações tem raízes que não se expõem. E sonho é matéria imaterial que
ganha raízes que se plantam boas ou prejudiciais.
O que pode sonhar um menino em 10 anos de
experiência nesse comum espaço humano denominado obrigatoriamente de sociedade?
Ele pode sonhar o que a idade lhe mostra, o que a vida lhe traz, o que ele
pensa que é de verdade e o que acredita não ser, ele pode sonhar sobre o que
nunca viu, mas deseja criar, ele pode sonhar com a dor e senti-la machucar onde
menos espera.
Ele pode estar com os pés na lua e a cabeça aqui, encostada em um lugar
concreto demais para os sonhos que o acompanham.
E a distância entre a fluidez da primeira com a concretude do segundo
ferem as almas que se soltam diante do inevitável dilema do ser e estar humano. Almas
soltas, almas de crianças que sentem um pouquinho mais, almas sensíveis,
debatem-se entre os muros erguidos pela necessária e imperiosa ordem do
crescimento inevitável. Doutrinam-se ou deletam-se os sonhos bons como
sustentáculo para o que vem à frente no espaço da experiência diária em que os
sonhos bons estão perdendo para os maus sonhos ou para os sonhos
inexistentes.
Ausência de sonhos cria vácuos que desenterram pesadelos. E estamos
nos preparando cada vez mais para eles.
_ Não sonhe, meu filho! A vida é feita de fatos reais.
_ Não sonhe, meu filho! Você precisa enfrentar a realidade!
_ Não sonhe, meu filho! A vida é dura e cruel.
_ Não sonhe, meu filho! Você precisa ser forte!
_ Não sonhe, meu filho! Você
precisa crescer!
_ Não sonhe, meu filho! Quem sonha sofre, e não chega a lugar algum!
ENDUREÇAMOS
OS SONHOS PARA QUE CONTINUEM CAINDO SOBRE NOSSAS CABEÇAS EM FORMA DE BALAS
PERDIDAS, BALAS DIRIGIDAS, DROGAS PERMITIDAS, DROGAS ESCONDIDAS e sejamos
cada vez mais FORTES diante do pesadelo de estarmos humanos.
ENDUREÇAMO-NOS para continuar vivendo
com os pés na rua, longe de qualquer sonho de evolução.
Enterramos a humanidade e a sensibilidade desceu ao mesmo túmulo, pisoteada
pelo medo que faz sofrer antes do sofrimento chegar.
Estamos preparados para a “demanda” do choro que explode nos pesadelos
marinados em caldos de realidade, para as explicações comportamentais, para as
teorias antropológicas que definem o homem enquanto homem e ser animal; estamos
preparados para carregar flores e velas, vestir camisas brancas, escrever
cartazes comoventes, chorar em público, dar as mãos...
Estamos preparados para o resultado do que criamos enterrando cada vez
mais fundo a sensibilidade, essa farpa condicionada à realidade dos que sonham
e que deve, precisa, urge!, seja delegada à extinção. Sentir é deixar espaço
para as manifestações que se desqualificam diante da razão. E ambas, razão e
sensibilidade, parecem definir espaços tridimensionalmente distantes,
impróprios, distintos e imponderáveis nas ondas de experiência que o homem luta
para levar a contento. Ou uma ou outra. As duas “coisificaram-se” em ideias e
conceitos distantes que atrasam as previsões para os pesadelos que não vêm a
cavalo. Chegaram. Estão aí. Somos afogados por eles sem que a lucidez nos
atinja em um único rasgo de sanidade.
Por que olhar para a lua se a rua chama os nossos pés para as urgências
“reais” e prováveis?
Por que buscar perguntas que parecem tão simples de responder?
Melhor: por que perguntar? O que uma pergunta pode acrescentar à minha
vida tão bem calçada em alicerces construídos a ferro e fogo?
Por que tentar olhar para dentro de um coração se sequer lembro que
existe um desses dentro de mim mesmo?
Fatalidades!
Acidentes!
Simples assim é explicar o inexplicável já que URGE NOS ACOSTUMARMOS AOS
PESADELOS CRIADOS!
Por que perguntar o que se passava no coração de um menino de dez anos
de idade que desejava ser maior antes de crescer? Por que perguntar onde
estavam os sonhos desse menino e de todos os outros que o rodeavam na
normalidade de uma vida que em nada se define como diferente? Por que
perguntar?
Agora
cabe dar espaço para as lágrimas e o tempo. Os dois juntos preparam-nos,
fortificam-nos para os próximos pesadelos.
Por que olhar para o lado se não for ato reflexo para defender a bolsa,
a carteira, a vida?
Por que olhar para o lado se é à frente que estão objetivos, metas e
lucros?
Sonhos bons são redondos e
desconhecem limites quadrados, angulosos, determinados. Sonhos bons são fluídos
e tocam, contagiam, empolgam, iluminam.
Sonhos bons deveriam tornar-se programa obrigatório nas escolas, na
vida, nas calçadas, nas ruas.
Os
sensíveis não são lunáticos, a não ser na visão dos enterrados em si mesmos.
E eis aí, aí mesmo, o endereço do
túmulo pisoteado.
Eu queria ter sabido dos sonhos bons e dos outros sonhos daquele menino
de dez anos que desenhou sua realidade. Eu queria a oportunidade de saber dele
onde estou errando agora!
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