UM TEXTO PARA AQUELES QUE AINDA ACREDITAM NA VIDA, NA EDUCAÇÃO, NO
CRESCIMENTO...
RESTOS DE FÉ!
Durante anos eu
pensei evitar o que mais temia.
Fechei janelas,
tranquei portas e portões, calafetei frestas invisíveis e teci o casulo do
esquecimento.
Dormi o sono
tranquilo dos que fazem esforço para voltar a acreditar na normalidade. Era
tarde e nada mais poderia ultrapassar a linha demarcada.
Era tarde para
qualquer forma de vida apresentar-se latente.
Melhor não olhar para
o lado e não desejar ver o que transcorria fora dos limites traçados. A opacidade
da indiferença alcança longas distâncias destilando-se com a pressa dos tempos
insossos.
Tudo estava na ordem
e diâmetros acertados: longe! Longe de qualquer sentimento indesejado.
Se outrora não fora
ouvido, porque levantar a voz sobre as montanhas de sofrimento que se
empilhavam em memórias não descartáveis?
Evitar sentir.
Evitar viver.
Sem perguntas.
Sem anseios.
A soma de todas as dores encapsuladas em
falsas curas era a indiferença que eu ostentava: grossa e espessa indiferença
que marcava minha testa em linha reta.
Sem perguntas! Sem
angústias!
Marcara o inverno
de minha alma sentada no barquinho do tempo.
Uma onda de vento
frio se faria notar pelo perfume salgado de antes de ontem.
No ontem a nota
desfeita subira uma oitava superior e eu não fora avisado.
Sem bilhete de
aviso: morreu!
A esperança
despedaçada transbordava em baús vazios, esburacados, trilhos para o mundo dos
fantasmas perdidos duas vezes.
Fantasmas sempre
perdem a luta.
Eu era um deles.
Perdera o caminho
de todas as lutas e ingressara em um mundo abissal.
Abismos são
abertos pelas almas perdidas. Entram e saem de feridas antigas que atravessam a
terra dos esquecidos.
Abismos são
tributos às sombras pegajosas e fétidas. Lugar comum das razões perdidas.
Mas há razões que
até mesmo os lugares comuns desalojam. São preferências de espaço que emergem
desditas em sentimentos não escolhidos.
E fazem força no
empilhamento amargo de fatos passados, deslocando-os, desvalorizando sua ordem.
Põem abaixo a classificação aparentemente caótica com que foram reunidos.
Desalinham,
perturbam, remexem até o pó tornar-se líquido.
Lágrimas lavam
os fatos.
Lágrimas brancas
nutrem o tecido das almas perdidas.
Lágrimas soltam
gases coloridos pelos orifícios das emoções.
Lágrimas salvam
a fé!
Acordei!
( texto
originalmente publicado no Varal do Brasil, Genebra, Suíça)
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