A FONTE DE TRÊS 
         PRATOS

 Ivane Laurete Perotti


   Dedicatória:
    "À luz das histórias que se repetem em antigos candeeiros.”


                                     Eu havia torcido um pé. Coisa pouco, como dissera o médico. Mas exigia repouso.
                                    Isso, para um menino como eu, era um verdadeiro sacrifício. Preferia correr atrás da bola, dos passarinhos, dos cachorros que passavam na rua, da carrocinha de algodão-doce. Qualquer coisa seria melhor do que ficar parado. Sentado. Parado. Quieto... bem, quieto não era exatamente do jeito que eu me encontrava.
                                     Ah!...Conseguira encontrar um jeito de chegar até a fonte sem a minha mãe e o resto da casa perceber.
                       Ufa! Um pé em movimento era de muita ajuda, especialmente para carregar um corpo acostumado com a velocidade.
                      A música que tocava na vitrola e a preocupação de minha mãe com as novas alunas de balé deixaram-me alguns momentos em liberdade.
                      Até parecia que fora esquecido.
                      Esquecido?
                      _ Bruninho! O que você pensa que está fazendo?

                      Eu não estava pensando, já estava fazendo, mas minha avó com certeza entendeu que eu queria muito mais do que parecia olhando de longe.
                       E queria mesmo.
                       Ficar sentado no jardim olhando a fonte jorrar aquela água limpinha encheu a minha cabeça de ideias mirabolantes.
                       Ideias, ideias, ideias... onde eu as guardara até então?
                    Às vezes eu acreditava que minha cabeça não tinha fundo. Ou melhor, não tinha limites. E quando duvidava disso, alguém sabia insistir dizendo que “... eu não tinha remendo!” Ou remédio, dependia da boa vontade da pessoa que me observava.
                     Eu ainda estava no meio do caminho quando minha avó concluiu a frase:
                     _ Esqueceu-se das ordens do médico? Esqueceu?

                    _ Não, vovó! Eu só queria...

                    _ Ficar sentado. É isso que você deve fazer.
                    Ai!Ai!Ai! Minhas nádegas! (em casa, não me deixavam falar bunda, mas eu pensava bunda e não nádegas! Então, falava nádegas e não bunda!).
                   Ai!Ai!Ai! O que seria de mim, tão cheio de ideias, tão cheio de vontade e tão cheio de...

                   Era isso! Precisava encontrar uma forma de correr sem sair do lugar. Ou mudar o lugar sem sair correndo. Qual seria a melhor opção?
                    Minhas pernas eram tão fortes quanto minha vontade. Num impulso eu já estava sentado dentro da fonte: a bund... quero dizer, as nádegas mergulhadas na água fria e os pés balançando para fora do beiral.

                      Encontrara um jeito de estar no lugar onde me mandaram ficar, mas olhava agora por um novo ângulo. E era divertido olhar para aquilo que até então ficava às minhas costas.
                       Era muito inter...
                       _ Bruniiiiiiiiiiinho!!!!! Meu filho!!!!!!!
                      A voz de minha mãe estava mais gelada do que a água em minha bund... nádegas!
                     Sim! Era a minha mãe!
                      Por alguma razão ela resolvera chegar à janela e olhar para fora. Será que as alunas novas já haviam aprendido a dançar?
                           _ Meu filho! Você vai se afogar...

                          _ Não! Mãe! Eu só deixei a minha bun.. a minha... a minha... eu só sentei na água mãe! Estou respirando, ó!Ó!
                          __... vai pegar um resfriado!

                          E bund... nádegas ficam resfriadas? Ficam?                          
              
                           Não consegui argumentar por muito tempo.
                           Fui retirado da água pelos braços fortes de alguém que agora nem consigo lembrar quem. E embaixo de muita preocupação, precisei trocar as minhas roupas molhadas por outras que deveriam ser responsáveis por colocar-me algum juízo.
                        Pode? O que é que roupa tem a ver com a vontade de sair correndo? Eu só queria correr na rua, onde todos os meus
 amigos gritavam sem parar.
                          Mas os pais da gente sabem o que fazem. A roupa engomadinha que me obrigaram a vestir era nova e se eu a sujasse ficaria por mais tempo dentro de casa, assistindo a aula de balé. Não que isso fosse exatamente um castigo, mas as meninas dançavam balé com os dois pés, e isso me fazia lembrar que o meu estava machucado.
                         Ao final da aula de minha mãe, pude novamente sentar lá fora, junto da fonte, minha amiga inspiradora.
                          Por alguns segundos, acreditei que poderia ficar sozinho e organizar outra opção com as ideias que já apontavam no fundo sem fundo de minha cabeça.
                       Quando uma das ideias levantava minha bund... da cadeira, vi chegar de mansinho uma das meninas que eu amava: minha irmã mais nova!
                         Isso era golpe baixo. Eu estava cercado por mulheres que me obrigavam a ficar sentado! Era realmente uma prisão.
                        Todas as mulheres da minha vida grudavam os olhos em mim. Ah!... como poderia colocar minha bund... para fora da cadeira? Isso já era perseguição de mãe, de vó, de irmã...

                     Ai!Ai!Ai!

                    Não fiquei triste por mais de alguns segundos, pois as minhas carcereiras também sabiam ouvir o que eu pensava.
                                     Será que se eu pensasse em japonês (eu queria aprender japonês) estaria livre para pensar sozinho?
                  
                   Não naquela hora!
                   Minha irmã era especialista em me fazer rir. Contava as coisas mais engraçadas só para ouvir minhas gargalhadas.
                     E eu gostava de vê-la feliz. Deixava de pensar em qualquer ideia nova quando ela brincava comigo. Era mais velha do que eu, mas gostava de brincar comigo enquanto dizia a todos que estava me cuidando.
                  E eu gostava de ser cuidado por ela. Brincávamos até alguém nos fazer parar (e isso realmente acontecia). Pois a hora de tomar banho era tão exata quanto a hora de jantar e a hora de sermos colocados na cama para dormir.
                  Entre a janta e a hora de dormir, havia um espaço de tempo que era mágico: deixavam que ficássemos no jardim, ouvindo a água da fonte bater nos três pratos que a guarneciam.
                   Eu e meus irmãos sentávamos como que esperando por um verdadeiro espetáculo. E ele acontecia...
                 Bastava todos saírem da mesa do jantar para o encantamento começar. Todas as noites era a vez de alguém contar uma história para as crianças da casa.  Se a noite estivesse clara, limpa, a fonte acompanhava a voz que se erguia contando histórias de arrepiar.
                 Se a noite estivesse fechada, alguém contava uma história de anjinhos bonitinhos e crianças que ganhavam prêmios por bom comportamento.
                 Se a noite derramasse chuva, ficávamos olhando a fonte e imaginando cada um a sua própria história. Pois em noite de chuva, era a vez dos adultos da casa reunirem-se para conversar assuntos mais longos e que não deveríamos ouvir.
                  Ninguém reclamava. De um modo ou de outro, permanecíamos juntos ouvindo a fonte sussurrar histórias que apenas nós, as crianças, ouvíamos.
                A fonte jamais se negava a contar e contar e contar.
                Enquanto contava e cada um entendia do seu próprio jeito, fazia com que ouvíssemos as vozes de suas histórias.
               Uma vez era a doceira que chorava pelo doce que perdera, a outra era a voz do papagaio que imitava o seu dono, a outra era a voz da menina que queria brincar no alto da árvore e... eram muitas as vozes que ouvíamos enquanto a água descia e subia pelos pratos sobrepostos.
                   As flores do jardim também ouviam e participavam das interpretações, mas daí, esse era um detalhe que apenas eu sabia ver.
                    Meus irmãos, mais velhos, preferiam não notar o que acontecia em volta da fonte. Só tinham olhos para ela e eu até pensava que muitas histórias ficavam perdidas enquanto eles criavam as suas próprias.
                    Especialmente um deles...
                   Gostava da fonte, como todos nós, mas parecia que olhava para ela e enxergava outro lugar.
                    Ou... eu já ouvira dizer que ele estava gostando muito de alguém e que esse alguém aparecia na fonte.
                  Será? Disso eu duvidava e duvidava mesmo!
                  Essas coisas eram impossíveis de acontecer. Nem queria pensar muito sobre o assunto.
                    Do meu quarto, eu conseguia ouvir a água contando histórias diferentes quando nos recolhíamos para dormir.
                     Eram histórias com vozes de flores perfumadas, animais coloridos e nuvens nem sempre branquinhas.
                     Gostava dessa parte também e era meu outro segredo: guardava as histórias das flores, armazenadas em fila, dentro de minha cabeça sem fundo.
                      Quando eu ficava muito quieto e pensavam que estivesse doente, na verdade eu estava verificando a posição de cada uma delas. Observando se não faltava algum detalhe, se algum pedacinho não tivesse se extraviado, escondido, perdido, se alguma história não mudara de lugar.
                   Isso acontecia muitas vezes. Histórias parecem gelatina, ou manteiga mole. Se você se aproxima demais delas, elas derretem. É o calor do corpo que faz tudo isso, pois o lugar dashistórias é o fundo do poço sem fundo da cabeça das crianças. Eu acho que a minha tinha mais de um poço. Acho mesmo!
                      Em uma noite de muita chuva, eu ouvi os gemidos da fonte. Logo pensei que estivesse se afogando embaixo de tanta chuva. Ora! Eu e minhas ideias! A fonte era feita de... água? Cimento? A fonte sem água ainda era uma fonte? Ai! Eu escutara mais um gemido. Não dava para esperar até de manhã. Melhor levantar na ponta dos pés e olhar o que se passava.
                        Quando cheguei ao jardim, tive certeza de que a fonte chorava. Era desesperador ouvi-la tão triste! Com os olhos bem abertos varri o jardim até onde a vista alcançava. Tudo parecia molhado. Muito molhado e só isso! Se é que era pouco tanta chuva derramando-se sobre a cidade.

                         _ Ai! Pobre de mim! Estou perdida!

                         Eu não sabia falar de volta para ela, apenas conseguia escutá-la. Era o pior de todos os lamentos que eu já ouvira.

                          Sem parar, a fonte gemia e falava as mesmas palavras:

                          _ Ai! Pobre de mim! Estou perdida!

                          Parecia cantar o seu choro sem fim. Eu quase conseguia ver as suas lágrimas brilharem sob a chuva forte.
                         
                          _ Ai! Pobre de mim! Estou perdida!
  
                          Tantas foram as exclamações que resolvi intervir. Entre fazer nada e fazer alguma coisa na qual eu acreditasse, melhor tentar.
                          
                           Até hoje eu não sei se compreendi a natureza daquele choro, mas depois que deitei, ela parou de gemer.
                           Difícil foi tentar explicar de manhã cedo para os meus pais o que aquele guarda-chuva fazia aberto em cima da fonte. E quem o colocara lá. E qual era a razão.
                           Não expliquei. Até mesmo porque eu não tinha certeza! Assim..... melhor silenciar.

                           Estava difícil manter o pé elevado. E foi por essa razão que resolvi criar uma cadeira movedora. Tudo muito simples se não fosse minha avó pensar que o cachorro da família não iria aguentar o meu peso. É claro que ele aguentava. Mas preocupação de avó a gente respeita.
                          Decidi chamar os meus amigos que continuavam brincando na rua para me ajudarem em uma grande invenção: o carrinho para o pé.
                          Depois de muitas marteladas e de várias interrupções sob a justificativa de que poderíamos nos machucar, eu entendi que minha invenção era melhor no fundo da frente de minha cabeça do que embaixo de meu pé. Deveria ter criado outra cadeira movedora.
                             Era isso!
                             _ Ô, pai! Empresta, vai. Eu prometo ficar quietinho! Não saio de dentro!
                             _...

                             _Deixa, vai!

                             _...

                             Com a ajuda das mulheres da minha vida que desta vez me libertavam (não sem antes me fazerem assinar uma declaração de TODOS OS CUIDADOS), meu pai terminou concordando em emprestar o carrinho de ferramentas (sem ferramentas).
                          
                             As mulheres da minha vida colocaram uma colcha dobrada embaixo de minha bund... de minhas nádegas, e ainda duas almofadas para eu encostar o corpo. Era a glória! A RUA INTEIRA PAROU PARA ME VER!
                            Puxado pelos meus amigos que também gostaram da ideia (mas graças ao meu pé machucado eu não precisaria ceder o lugar para ninguém...), retomei o meu lugar no mundo e na vida da rua. Estava salvo!
                            Sim, estava. Até a hora em que meus amigos decidiram jogar uma pelada.
                           Não era só o pé que doía. Minha bund... minhas nádegas estavam quentes de tanto ficar no mesmo lugar.
                           Palavrões não eram bem vindos à boca de meninos educados, mas no fundo de trás da cabeça... aí ninguém os descobria. 
                           Usei todos os que conhecia e criei outros que nunca mais precisei lembrar. Mas os meninos, enquanto jogam bola, não leem palavrões em pensamento. Nem ouvem aqueles que  gente pode dizer.
                           Enquanto a bola corria solta pela rua e os meninos se estatelavam atrás dela, eu bolei um plano.
                           Haveria de me vingar de toda aquela traição. Fora simplesmente esquecido por todos, naquela caixa de ferramentas colorida pelas almofadas de minha avó. Eu era um menino sem sorte, mas ideias não me faltavam para mudar a situação.
                        Quando todos correram para o mesmo lugar atrás de impedir um gol que parecia fantástico, gritei e esperneei bem alto:

                         _ Socorro! Socorro! Uma cobra jararaca! Uma jararaca cheia de dentes está aqui!
                         Até quem não havia enxergado o meu trono, viu o final de meu reinado e o sabor de minha vingança.
                           Melhor, o amargor de minha vingança. Pois, com o susto, as mulheres de minha vida puseram-se a gritar e a exigir que os homens encontrassem a cobra.
                         Meu pai, que era muito esperto, deduziu que eu jamais poderia ter visto os dentes da jararaca. E isso era só o começo.
                        Tudo bem. Da próxima vez eu tomaria algumas informações a mais antes de usar o nome de alguma coisa.
                            E foi assim que, em cumprimento ao meu castigo, meu pai ofereceu-me todas as informações possíveis e impossíveis sobre as cobras venenosas e não venenosas.
                             Eu queria sair rastejando, mas até para isso havia agora uma série de restrições.
                              Para segurança da família, meus pais mandaram colocar alho amassado por toda a propriedade e eu já não aguentava mais sentir aquele cheiro que subia do chão.
                             Cobras?
                             Sim, aprendi tudo sobre elas e consegui enfileirar mais uma dezena de histórias às minhas já conhecidas.
                             Até mesmo porque, cobras não têm pés. Ai!!!, eu lembrava outra vez do meu pé imobilizado e de minha bund... nádegas cansadas de tanto sentar.
                             Bem, para tudo há um jeito, ou uma ideia, e eu armazenava tantas que uma a mais que gastasse não faria falta.
                              Em um final de tarde, ainda nos dias de meu repouso forçado, esperei que minha mãe terminasse a aula de balé.
                                Esperei sentado, como só fazia nos últimos dias enquanto as alunas iam saindo devagarzinho.
                                E enquanto esperava, mergulhava a mão na água da fonte salpicando longas gotas. Muitas gotas, gotas compridas que se espichavam até os saiotes de malha cor de rosa. Muitas gotas, que ficavam cada vez mais grossas conforme aumentava a minha alegria e os gritos das meninas.
                              Se eu não conseguia chegar às brincadeiras, faria as brincadeiras chegarem até mim.
                              Pronto! Simples assim. E vão gotas e mais gotas recheadas com gargalhadas de puro prazer infantil.
                               _ Bruniiiiiiiiiinho!

                              O sinal do perigo. Aproximavam-se os algozes de minha alegria.
                            As mulheres que só faziam olhar para um pobre menino com o pé machucado.
                             Era só uma brincadeira! Uma simples brincadeira!
                             Além de mim e da fonte que sorria silenciosa, ninguém mais concordava com os meus argumentos.
                             Precisei desculpar-me pelas gotas compridas.
                             Na verdade, eu penso que as meninas gostaram da brincadeira, estava quente e o sol...
                              _ Brincadeira sem graça, Bruninho!
                               Tá! Mas enquanto meu pé repousava, minha cabeça aumentava o fundo das ideias. E minha mãe que gostava muito de pintar, não poderia deixar de apoiar minha última invenção.
                             Não era exatamente uma invenção. Eu queria aproveitar de uma maneira melhor, mais inteligente, mais colorida aqueles muros que rodeavam o jardim.
                            Muros brancos parecem frios, vazios, distantes. E algo me dizia que eu faria uma verdadeira obra de arte. Sem colocar o pé no chão, que era a maior preocupação naquele momento.
                            Enquanto todos descansavam logo após o almoço, pulei feito o Saci-Pererê até a oficina de pintura e lá carreguei todos os vidros coloridos possíveis em mais de uma viagem de leva e carrega, leva e carrega.
                             É claro que eu não pintaria o muro daquele tamanho com um pincel pequititito igual aos que minha mãe usava. Precisava de algo maior, mais rápido, mais potente.
                            Claro! A vassoura de piaçava! Ponto para a minha cabecinha pensante!
                            Ponto para o muro e sua beleza radiante!
                            Sobre a calçada derramei várias cores de tinta e com a vassoura mergulhada em todas elas iniciei a minha obra.
                             Várias vassouradas depois e muito suor escorrendo pelo corpo, entendi terminada a primeira parte de meu trabalho. As cores pareciam sair de dentro da terra e subir para fora do muro. Estava lindo. Lindo!
                               _ Meu Deus! Bruniiiiiinho!!!! O que é isso?
  
                              _ Minha obra de arte, mamãe. Quero ser igual a você!

                             Não sei exatamente se minha mãe gostou ou não daquele trabalho tão exuberante, mas posso lembrar com clareza que durante dias não se falava outra coisa em minha casa. Mas sem que eu levasse qualquer bronca, o que era sinal inegável do reconhecimento de meu talento. Puxara à mamãe. Era filho dela!
                             Não pude terminar todo o muro que logo, loguinho voltou a ser branco. Mas lembro com prazer dos riscos da vassoura sobre a tinta branca. Esse episódio com certeza marcaria minha vida profissional. Pois até hoje, não posso ver qualquer superfície sem cor que me sinto impelido a desenhar, riscar, escrever, criar...
  
                         Mas naquela época eu não pensava em crescer. Queria apenas correr e ouvir a fonte dos três pratos. Era o centro de nosso jardim e o centro de minhas especulações.
                         No final do verão de meus quase seis anos de idade, resolvi testar uma questão que não deixava minha cabecinha com fundo sem fundo parar de pensar: será que os sapos passariam pelo buraco da fonte? E, será que os peixes poderiam nadar para cima?
                          Não era possível saber sem testar.

                          Durante dias procurei os maiores sapos que a redondeza poderia esconder. Não fui eu a procurá-los, exatamente, mas a “encomendá-los”. 
                         Quando meus amigos souberam de minhas intenções, esmeraram-se em caçar todos os sapos da rua. Claros, escuros, gordos, magros, marrons e verdes ou amarelados (foi aí que eu conheci a rã-pimenta, famosa por sua reação diante do perigo), todos eles foram colocados à frente da fonte, em caixa ou sacos de plástico.
                        Ao todo, deveriam estar ali mais de 20 sapos.
                        Mas para a experiência ficar completa, faltavam os peixes que foram pescados diretamente do açude no final do quarteirão.
                         Os peixes pareciam tão feios quanto os sapos, mas eram peixes, nadavam e deveriam servir para fazer o teste.

                          Colocamos todos os bichos ao mesmo tempo dentro do primeiro prato da fonte.

                          Só fomos descobertos porque na alegria de pegar novamente os sapos que saltavam para fora, meus amigos se empolgaram e deixaram sair pela garganta uns gritos exageradamente altos.
                           Não consegui completar meu estudo. Sentado na cadeira e no meio de todos os meus amigos, ouvi um sermão comprido sobre respeito à natureza e ao espaço dos animais silvestres.
                             _ Os sapos eram aqui da rua...

                             O sinal de perigo aumentava se eu não soubesse calar e escutar.
                             Escutei. E juntos, eu e meus amigos limpamos a fonte. Escovamos os pratos e ainda devolvemos um por um os sapos encontrados.
                            Bem, novamente eu só olhei o serviço sendo feito pela rua, como se cada sapo fosse devolvido a sua casa.
                                    Dizem que eu cresci. Também acho. Mas não sou muito alto para a minha idade.
                              Minha cabeça aumentou o fundo e encheu-se de novas e mirabolantes ideias. Vivo delas. As ideias salvam a minha vida todos os dias.
                              A fonte dos três pratos continua comigo.
                             Agora, transplantada em outro jardim, sussurra histórias em um tom baixinho, como se cochichasse ou temesse ser ouvida.
                             Eu a ouço. E mesmo quando o barulho da rua parece apagar a sua voz, entendo que ela precisa de um guarda-chuva, ou de um cobertor, ou apenas de um pouquinho de silêncio.
                              Atrás da porta lá de casa, deixo sempre algumas coisinhas à mão. Mas ainda fica difícil explicar a quem não me conhece, porque não as guardo no devido lugar.
                             E logo para mim fazem essas perguntas. Logo para mim...
                           _ Bruno!? O que é que isso faz aqui?
                           _ Bruno!? O que você vai fazer com isso aqui?
                           _ Brun...

                         Ai!!! Quem disse que eu sei?
                         Onde está escrito que “coisas” não podem servir para outras coisas?
                        Sempre há um momento em que as coisas se encaixam, se acomodam ou mudam de lugar, de serventia. Sei lá!!!
                         Coisas são coisas... e isso já é bastante para pensar.
                         O que fazer com elas depende de cada um.
                         Pois não é que ainda jogamos fora a maior parte das coisas que usamos?
                        Então!!! Eu sou uma pessoa que pensa nas coisas como elementos          que têm muitos ciclos, muitos ciclos de uso e de reinvenção...
                        Coisas são ideias que tomaram forma e eu gosto muito de imaginar todas as formas que ainda podem tomar.
                        Para contar uma verdade, até hoje ninguém descobriu o que eu guardo no último prato da fonte de nosso jardim.
                         Às vezes, quando penso que as ideias de minha cabeça sem fundo mudaram de lugar, eu vou até a fonte, coloco a ponta dos dedos na ponta de cimento e... a “coisa” que guardo lá cria vida! Pula para fora, rola pelas minhas lembranças e enche meu peito de alegria.
                       É só uma “coisa”, mas para mim, tem a forma que preciso para acreditar que ainda pulo feito Saci-Pererê!
                      Quer visitar a minha casa?
                       Se encontrar dificuldade para localizar-me, dê uma olhadinha na parte mais alta de qualquer fonte que encontrar... você pode levar um susto! Ou, pode descobrir que muitas “coisas” não mudam de lugar.
                   Mudam?!
           

Comentários

Postagens mais visitadas