MOÇÃO …
                       UMA HOMENAGEM TODOS OS DIAS
                        Apenas imagino o risco da palavra-título deste texto para com a pilhéria, para com a picardia e até para com a conotação de sensualidade encarquilhada que, em se desejando, encontra-se. Na palavra, claro! Elas, as palavras, têm essa mania não tratável (logo alguém prova que as palavras têm TOC) de esconder sentidos impróprios para o uso diário. E sensualidade não parece ser um sentido que se agregue ao dia de hoje, só à palavra. Ou não? Essa “coisa” da palavra puxar outras  trouxe-me as esquecidas nas falas de um professor da Unicamp. Ele disse que era professor. Meu professor, nosso professor. Não sei! Afora os títulos, até hoje eu penso que, contrariando o que digo, ele não “era” professor, o sujeito que ensina. Esforço-me, ainda, depois de tantos anos para acreditar que eu não estava errada!
                   Não sei quando ele começou a ensinar, ou se ensinou, mas enamoramo-nos todos pelo que ele trazia sendo quem era. Do jeito que era, como era. Ninguém pediu que assinasse atestados de certezas, uma vez que ele, o professor, era uma dúvida transbordante, um poço de angústias, um sem-cartas marcadas. Era isso. Ele não tinha marcas de ranços e cansaços. Ele era um homem muito estranho. Muito estranho. E essas impressões só alimentam a minha quase certeza de que ele não era professor, eu não estava errada. Mesmo sabendo que estou alimentando uma ideia particular, algo como uma crença, grudenta, pesada, que ocupa lugar na forma como vemos o mundo e... não nos deixa ver o mundo porque sequer sabemos que ele está ali
               Mas só lembrei-me dele por uma razão: o conceito de sensualidade que alguém pode encontrar em “moção”. Ele, esse homem estranho, acreditava que todo ato de ensinar era um ato de “enamoramento”. Imaginem! A cabeça dele já não muito charmosa (isso para não dizer que além de estranho era... destituído de traços estéticos que entendemos serem altamente necessários ao atual padrão de beleza... masculina!), sequer mandava algum sinal de que estivesse flertando com alguém! E sempre tem aquele que pensa que o sentido está aí e pronto. Vai a tentativa de chamar a atenção. Vale tudo no mundo do “eu quero saber o que você sabe que sabe”.
                  Quem conseguiu lembrar quando é o dia do professor deve ter uma veia de humor negro por trás da boa vontade, da indestrutível paciência, da inigualável persistência... e talvez, quem sabe, nunca se sabe, um pouco de sentimentos depressivos, angustiantes, estressantes vagando pelo dia que nada tem de diferente dos outros. Por aqui chove, mas dentro de certa previsibilidade das características climáticas que descrevem a região. Mais ou menos como na descrição do dia do professor: previsível! Está no calendário, não está? Está! Então tá! É isso!
                       Eu queria ter nascido na época de Sócrates. Acho que alguém se enganou no meu envio para cá nesta era tão... tão...tão bem organizada para que TUDO PERMANEÇA COMO ESTÁ!
                         Sócrates tomou cicuta. Tranquilo, calmo, até feliz, eu imagino. Ele teve tempo para rever os seus pupilos e sabia, tinha convicção de que seu trabalho era aquele. Aquele! Aquele trabalho que o levava à morte. Mas era “aquele” e nenhum outro e não poderia modificá-lo, adaptá-lo, pois seu trabalho de ensinar e sua alma de homem mortal eram um só.
                         Sócrates deve ter sido feliz. E vendo as lágrimas de seus pupilos certamente sentiu-se amado.
                         Nasci na época errada! No lugar da cicuta e da cela silenciosa, os que trabalham com o ato de “ensinar” encontram humilhação, desrespeito, balas de diversos calibres, dificuldades para comer antes de ir para a escola (não estão fazendo dieta, não! Acontece que para ter o que comer no final do último período da noite, vão de uma escola para a outra com o estômago vazio e vão a pé, para economizar. E, não estão treinando para a São Silvestre).
                             Posso ser desmentida a qualquer momento pelos bons salários e condições que alguns professores já alcançaram. Qualquer boca grande cheia de boa vontade pode provar isso a qualquer momento. Pode! Mas negar a trajetória da maioria desses homens e mulheres estranhos acerca dos quais falo e a quem dedicam "um " dia ... é uma decisão minha. Não é uma questão de retórica, é uma questão de saúde pública! Professores? São estranhos seres humanos que não desistem de correr de uma escola para outra a fim de manterem o trabalho no qual acreditam.
                            Bem, esse ponto é um prego! Não sei quantos professores ainda acreditam no que estão fazendo. Não sei quantos deles não estão sendo movidos pela inércia de decisões políticas que elevem a profissão ao patamar de primeiro lugar para os investimentos sólidos e sérios de qualquer governo que se preze.
                          Vou confessar que estou desconfortável escrevendo sobre o óbvio tão óbvio. Mas além de também ser professora, sou estranha, muito estranha! Tão estranha que já fui presa pelo antigo e esquecido DOPS em um dia do professor. Previsível! O dia estava no calendário, mas aos 17 anos a gente pensa que pensa! E ainda pensa que pode dizer o que pensa! Eu disse!
                       Hoje, estou desconfortável por não saber quantos de meus estranhos colegas ainda estão saudáveis. Mas o governo sabe! As secretarias de educação sabem quantos deles estão fora de sala de aula, quantos foram assassinados... Quantos estão doentes e não podem ter o lenitivo da cura. A doença DO PROFESSOR é antiga e persistente, exige medidas drásticas, imediatas, rápidas!
                       A receita pode ser assinada por qualquer um que se entenda CIDADÃO!
                      E este texto desconfortável, não era um mote para brincar com o tamanho ou a gostosura da “moça”... Foi a única forma que eu encontrei de pedir que se retire o dia do professor do calendário e se coloque o calendário do professor NA ORDEM DO DIA. NA ORDEM DAS PRIORIDADES! NA ORDEM...apenas NA ORDEM!
                        
 IVANE LAURETE PEROTTI   -  Professora


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