"MARIAS DO AMOR"

Dizem os que "sabem dizer" necessitarmos de gatilhos para nossas reflexões moverem-se e removerem-se. Talvez! Bendigo a hora em que "não saber" é um gatilho que me propõe pensar sem razão determinada, posto que, motivos para pensar tenho-os  em abundância. Só para "cutucar" os gatilhos alheios, digo que "Marias do Amor" não fala especificamente sobre o universo feminino. Ao contrário, é um pensar sobre o nosso universo humano socializado no tempo atual, quando masculino e feminino traduzem-se apenas em ser humano. E quando, talvez!, "conversar" continue sendo uma necessidade básica na constituição de quem somos, do lugar que acreditamos ter e no qual, com absoluta ilusão, TORNAMO-NOS!


MARIAS DO AMOR

Desce o morro estropiado
com andar de dama rica
sacode o vestido surrado
das ancas muito convicta.
Balança o seio,
Baixa o decote,
Esquece a vida
Suja e pobre do barracão.
Não é Maria
De Antônios e Joãos,
apenas a moça coberta de ilusão.
Bendita ilusão que encoraja
esquecidos,
marcados,
sofridos,
assustados pares da dominação.
Ah!
Maria sem dono nem trono
princesa em trapos,
farrapos,
amiga de homens e ratos
monstros e gatos
cavaleiros em seu colchão.
Maria sem memória
sem luxo nem glória
carrega a história
de um povo abortado,
encolhido e acuado
sem direito nem peito
de sobreviver.
Maria benzida
Pelas dores da vida
Pecado mortal.
Pariu no silêncio
eu filho,
seu moço,
Não cria Maria!
É pó!
Agonia,
É medo,
É dor.
Flagelo sem elo
Maria não via,
não ria!
a pia...
as outras Marias
mergulhadas em dor.
Caídas,
feridas,
rotas,
mortas!
Anjos tombados
Na via do horror.
Para Maria!
Cessa a folia
engole a alegria
veja morrer.
Filhos e netos
já foram embora
perderam a festa que você não fez!
Um tiro na testa
Pagou o bilhete
Sem troca,
Sem volta,
Na porta,
no morro,
na escola,
Lá fora...
Na rua é o povo
Acuado de novo...
Não cria,
Maria!
Mais um e mais outro
Estendido
Arrastado
Parado
Queimado,
Medo,
Terror.
É isso Maria,
Você não queria!
menino,
menina,
a calçada fria,
a cama vazia,
Você não queria perder seu amor!
Cadeira de rodas,
Tubos e sondas
Janelas cerradas...
Maria não saia!
Levante a saia,
Corra e não caia
É matar,
É morrer!
No morro e no bairro
Maria não saia
Não viva,
Não caia
Não veja o temor.
Volta Maria
Prepara o barraco
Que a noite chegou!
Perdidos,
assustados,
feridos,
acuados,
retornam cansados,
Esquecem a dor...
ou mais otimistas
esperam amor!
Volta Maria,
A dor ainda é sua!
Baixa o decote
a pele tão nua
tão fria
tão crua
nas veias da rua
mataram a flor.
Chora Maria,
O sino tocou!
Longos repiques
Gemidos cansados,
O povo gritou.
Mais alto,
Mais forte
A morte
A sorte,
A bala parou.
Volta Maria,
outra vez mais.
Lava a história!
Limpa a memória!
Com honra e glória
de quem suplantou
o medo
a morte
o filho
a sorte...
A guerra cessou.
Na lápide branca
busca
Maria!
A flor,
a criança
O sol acordou!
Olhem...
Marias!
Filhas e crias,
mães na agonia
O sol retornou!
Cantem os versos
sem cortes
sem mortes
sem medo da sorte
sem medo da dor.
Cantem Marias!















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