ÁRBITROS DA VIDA
                                        O "nonsense" de cada dia

                                         "Considerar a nossa maior angústia como um incidente sem
                                          importância, não só na vida do universo, mas da nossa
                                          mesma alma, é o princípio da sabedoria."
                                          Fernando Pessoa                

                                          Alquebrada em fragmentos dissolutos, vai ela por caminhos nunca antes trafegados. Sóbria, resta-lhe a rotunda carcaça da solidão imaculada. Não serviu a ninguém, não se serviram dela. Se olhos tivesse estariam secos. Se no espaço das chispas de compreensão e paciência delongassem mãos com roliços dedos, crispar-se-iam pela eloquência do silêncio imposto. Se uma cabeça lhe tomasse a direção servir-lhe-ia em sacrifício. A contemporaneidade queimou o tempo de sua santidade. Por onde anda a sabedoria?
                                       Esfarrapados, rotos corremos em quatro apoios pelas praças vilipendiadas. Fatos encarceram os dias em movimentos sem sentido. O que nos acontece toma proporções homéricas e, desde um olhar enviesado recebido na fila do banco às catástrofes fustigantes, o filtro dos valores e sentimentos liquidifica os fatos em proporções desmedidas.
                                     Cadê a sabedoria? Ficou presa a sacrários inatingíveis nos limites de histórias que não se revisitam no dia comum dos humanos assoberbados? Pensar, faculdade dada aos homens de boa vontade, estagna-se infrutífera diante da ansiedade, da pressa, do destempero, das frustrações, das necessidades urgentes de saciar o corpo e... saciar o corpo.
                                    O corpo, com sua inteligência própria, particulariza exigências, imobiliza energias, aciona os autômatos modernos: homens de boa vontade que deixam o "bonus- qualidade do que é bom/Latim" vazar pelo ralo das mãos sequiosas. A vontade, enquanto movimento dos sentidos mais ou menos conscientes, agrupa iniciativas em torno de si mesma. "Estar" no mundo é "estar" voltado para o centro das próprias e únicas agruras.
                                    A sabedoria perde status e junto com outros valores, serve de ícone para caracterizar os perdedores, os bobos, os sem poder, os filósofos de porão, os terroristas da cultura. Pensar redondo está na contramão do sucesso pessoal. Se meu calcanhar dói, não me desperta comiseração saber que o estômago alheio esfola-se vazio de comida, de educação, de saúde, de esperança. Meu calcanhar dói, e o mundo deve girar em torno dos lenitivos imediatos para a supressão da dor que se topicaliza.
                                   Está aí uma das chaves para pensar o que fazemos com o que temos nas e às mãos. Meu calcanhar dói..., Teu calcanhar dói..., Nosso calcanhar dói... No rol das ações instituídas, a escola enfastia os alunos com o estudo das classes morfológicas das palavras e qualquer escolar rapidamente identificaria os pronomes possessivos nas construções em grifo. Sim, identificariam os pronomes. Mas tenho dúvidas sobre o alcance da leitura quanto às implicaturas e desdobramentos que os sintagmas inferem. Até porque, o ato de inferir é um mecanismo no processo da sabedoria desenvolta e maturada na capacidade de LER O MUNDO. Então, à escola caberia desfraldar campanhas de caça à sabedoria encravada no âmago dos calcanhares doloridos? Caberia? Não sei! Não acredito em ações isoladas, mas certamente vislumbro outras possibilidades para as instituições de ensino arraigadas ao preparo infrutífero de estudantes que aprendem a repetir, repetir, repetir para uma vez mais repetirem tudo outra vez com muito sucesso no caduco funil dos vestibulares capengas. Para esse tipo de sucesso, a sabedoria passa longe, assombrada pelas angústias de um saber inscrito em outra categoria conceitual.
                                    Imagine-se um quadro dentro do qual se perfilasse um especialista em sabedoria: seria tão inverossímil quanto contraditório, pois os diplomados pela vida não recebem certificado nem titulação. Contudo, se a soma de nossos investimentos se dobrasse um pouco, só um pouquinho para o rastro menos umbilical, egoísta, hedônico, poderíamos pensar na possibilidade de aprender e amadurecer na troca simples dos dias que seguem os dias. Seria pedir demais? Que não me roubem o direito de sonhar com o crescimento sustentável ecologicamente planejado para o intelecto humano. Salvar as florestas é uma ordem, limpar o planeta é imperioso, mas eu quero sonhar também com a possibilidade de saneamento para aquela "entidade" que habita atrás dos olhos esfumaçados do homo sapiens. O saber egoísta determinou holocaustos na história. Vamos repeti-los? A arbitragem continua.
                                    Que a sabedoria nos alcance...em tempo!
                                  
                                   
                       
                                       


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