PARTE IX
PARTE IX - DIÁRIO DE UMA MULHER QUE NÃO QUER TRAIR
MEU
MARIDO!MEU MARIDO! MAU MARIDO! PÉSSIMO MARIDO!
MARIDO!!!!!!!!!!!!!!!!!
Está
doendo! A dor chegou aos olhos... vou para o banheiro do escritório achar um
jeito de chorar a raiva!
A
minha manhã está uma noite escura! Desceu um breu denso sobre o meu espírito,
corroendo minha mente, esmagando o coração que fica no meu corpo e o outro
coração que eu acho que fica em algum
lugar desconhecido fora do alcance dos péssimos maridos. Lugar protegido da
maldade emocional, física, psíquica. Esse coração mantém a gente viva, agarrada
a uns galhos de esperança que, se não quebrarem com o peso da dor do outro
coração, seguram até a hora de encontrar uma saída.
Os galhos da esperança têm deixado
marcas de calos em mim.
Acho que meu chefe me chamou a
atenção. Mas eu só consigo ouvir e repetir e continuar repetindo a grosseria de
meu marido!
Será possível um homem dizer que ama
uma mulher e tratá-la como se fosse uma...uma...uma “coisa”!? Uma coisa
qualquer entre todas as coisas que são coisas.
Não entendo essa improbabilidade
provável. Se ama, consequentemente cuida, trata, respeita, protege... não é
essa a lógica do amor?
Como é possível dizer ao objeto
amado que ele é o centro de sua história e na primeira linha usar de sinais,
modos, maneiras e palavras que ferem de longe?
NÃO ENTENDO!NÃO ACEITO!
Por que devo ferir o meu objeto de
amor? Para que ele saiba que eu sou o poder e a glória? Para fazer com que ele
sinta esse poder e se acostume a ele e acredite que amor é assim mesmo?
NÃO ACEITO! Se essa é a prova de
minha imaturidade, vou voltar à minha infância feliz!
E... também, não aceito pensar de
um modo e reagir de outro. Minha racionalidade e minhas emoções não andam de
mãos dadas. Nunca sei qual delas vai estar na liderança. Nos últimos dias a
oscilação é tanta que meus olhos pagam o preço.
Estou com horror aumentado de todo
o tipo de líquido, qualquer um, de qualquer líquido, de todos eles.
Não sei mais onde assoar minhas
narinas entupidas de ranho, de ranho triste e escuro. Minha lixeira transborda
lenços de papel melecados, ranhentos, molhados, nojentos, como se fossem uma
continuação de minha vida atual!
Lenços, lenços, lenços.
Preciso de mais lenços.
Vou tomar um café e...
no caminho eu encontro uma caixa de lenço
de papel estendida para mim, na frente de um braço espichado E UMA MÃO ABERTA
EM PINÇA. Entre os dois dedos uma caixa robusta, delicada, mas, robustamente cheia de lenços macios E SECOS, NOVINHOS EM FOLHA.
MEU
DEUS! MEU DEUS! MEU DEUS!
Ele
sabe que eu estou chorando!
Além
de um sorriso, eu ganho uma bala de menta. No papel que envolve a bala está
escrito: “chorar lava a alma e lubrifica os olhos!”
Ai!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Quero fugir
daqui. Será que está tão evidente que eu estou em trevas? Trevas profundas!
Espessas trevas de casamento?
Aceito os lenços, a bala e o
sorriso e corro para o banheiro. Ou melhor, tento correr, pois não consigo
tirar os meus pés do chão. E para ajudar, na metade do caminho meu chefe pede
para eu chegar até a sala dele.
PODE?PODE?PODE?PODE?PODE?
Pode,
sim! Ele é o chefe e estava preocupado com o que chamou de “... desatenção
repetida”. Queria eu revisar a programação de férias? Queria mudar de setor?
Estava doente? Precisava de algo?
Nunca antes agradeci tanto por uma
caixa de lenço presenteada no meio do corredor entre o banheiro e a sala do
chefe.
BENDITA CAIXA! Usei todos os lenços
de seu interior e ainda me escondi atrás dela.
BENDITA CAIXA!
Ficou mais do que claro e líquido
que eu estava com problemas, mas minha relação com o chefe não permitia laços
tão próximos a uma confissão pessoal.
Concordei com o fato de estar com
problemas e reafirmei meu propósito profissional de resolvê-los sem atingir o
rendimento no trabalho.
Ganhei mais uma caixa de lenços,
um sorriso de confiança e “... tudo caminha para o lugar certo, minha filha!”.
AI! MEU DEUS! POR QUE ELE
FOI TÃO FOFO? TÃO...TÃO...COMPREENSIVO SEM EU TER CONTADO NADA? ELE TINHA DE
SER UM CHEFE COMPREENSIVO? HUMANO?TINHA? TINHA DE SER CHEFE?
Eu queria matar todos os
chefes, mas o meu chefe era humano. UM FOFO!!!! Eu queria matar o meu marido...
nem fofo, nem humano! Que merda! Ele era humano e fofo! Então, eu ainda queria
matar o chefe dele. Queria mesmo! De qualquer forma! De qualquer jeito!
“...tudo caminha para o lugar
certo!” Eu ainda
pensava nisso quando cheguei em casa.
Eu me esquecera do presente que
desbotava sobre o sofá da entrada. Sim, falara dele, reclamara não ter sido
visto, mas logo passei, meu marido e eu, para o último plano, pois afinal, meu
marido fora um “doce” dizendo que presentes não eram importantes. Que eu era
importante para ele!
Em que vida ele
dissera isso? Em que estação que eu não sabia manter sintonizada?
O presente me olhava sabendo
que para ele eu não conseguiria esconder nada. Nadinha! NADA MESMO! NADICA!!!!!Eu
o comprara, embrulhara e escolhera onde deixar: o melhor lugar da casa. O lugar
que saltaria aos olhos de meu marido assim que abrisse a porta!
Não quero ver esse presente
me lembrando do que eu já resolvi.
Já resolvi?
Já! CERTAMENTE! APENAS
ESQUECÊRAMOS DELE, eu e meu marido,POR OUTRAS COISAS MAIS IMPORTANTES SALTAREM
À FRENTE EM NOSSA RECONCILIAÇÃO! Um
casal sempre sabe onde é o melhor lugar
para terminar uma discussão já discutida. Sabe? Todos os casais sempre sabem?
O presente tinha um ar de dó e de
cinismo sábio ao mesmo tempo.
Era uma imagem controvertida,
pois o sol que entrava pela janela sem cortinas apagara o colorido de um dos
lados. Parecia uma caixa de...parecia a divisão de um... parecia um quadro.
PARECIA
O QUADRO DE MINHA VIDA!
Chorei
no banheiro até ouvir a porta dar sinal da entrada de meu marido.
“... tudo caminha para o lugar
certo, minha filha!”
Dei descarga no vaso para disfarçar
e ao mesmo tempo sinalizar para ele onde eu estava. Rapidamente me refiz e abri
a porta pronta para encontrar o “lugar certo” de minha vida!
A primeira palavra que ouvi foi
um amontoado de sílabas tortuosas e vi ondas de frustração subindo de minhas pernas trêmulas, de minhas
mãos geladas, de meus olhos ardidos. Não sei. Minha casa rodava junto com as
falas de meu marido e minhas tentativas de explicar e pedir explicação.
Quem eu pensara que era para
ligar no trabalho dele, exatamente no momento em que ele se concentrava para
organizar uma nova planilha de metas?
QUEM EU ACHAVA QUE ERA?
QUEM ELE PENSAVA QUE EU ERA?
ELE TINHA CERTEZA DA MINHA IMATURIDADE
! INFANTIL...INFANTIL... CULPA DA EDUCAÇÃO INDIVIDUALISTA QUE TIVERA, CULPA DA
FALSA INDEPENDÊNCIA COM QUE VIVERA POR TANTOS ANOS, CULPA DA...
E ELE? PENSAVA SER O UMBIGO DO
MUNDO? MIMADO! EGOÍSTA! ESTÚPIDO!
Eu só desejara mostrar cuidado, dizer que
estava com ele, dar uma força...
Ele estava ficando cheio de todos . ESTAVA CHEIO! ESTAVA PUTO! PUTO!PUTO!PUTO!PUTO!PUTO!
PUTO!PUTO!PUTO!PUTO!PUTO!
PUTO!PUTO!PUTO!PUTO!PUTO!
PUTO!PUTO!PUTO!PUTO!PUTO!
PUTO
E CHEIO! CHEIO E PUTO! MUITO PUTO! MUITO CHEIO!
Comentários
Postar um comentário