PARTE V
PARTE V - DIÁRIO DE UMA MULHER QUE NÃO QUER TRAIR
NÃO SEI QUE DIA É HOJE!!!
Acordei amassada e
com olheiras até às orelhas.
Deve ter passado
mais de uma semana desde o primeiro aniversário de nosso casamento.
Perdi a vontade de
fazer esse diário por vários dias. Nem sei por que voltei a escrever. Acho que
é um jeito de eu responder ao pacote de presente que continua no mesmo lugar. Fechado,
bem fechado e olhando para mim. Estou
parecendo aquele ator bonitão que fez o “Náufrago”: ele e a bola. Eu e o
pacote. Por que não diz logo o que está pensando? Por que não joga na minha
cara o quanto sou incompetente? Que sou a mulher recém-casada menos casada que
já viu?
Não vou tirá-lo de cima do sofá! Vai ficar lá! Com
aquele ar de eu sei das coisas... Podem juntar-se todas as aranhas que andarem pelo apartamento e que
vierem dos outros apartamentos e de fora
deles também para tecerem em torno desse pacote.
Quero esse pacote tão cheio de teias, mas tão cheio de teias que será
impossível enxergar o vermelho do papel brilhante. Elas podem e devem vir. Venham
aranhas boazinhas! Venham para cá! Olhem ... que pacote lindinho esperando por vocês? Venham brincar com o meu
amiguinho , testemunha de minha desolação. Venham aranhas , aranhinhas e
aranhonas. O papel vermelho com listras douradas pode ficar branco!,
branquinho, mas eu não vou mexer nele. Vai ficar lá até meu marido me fazer
qualquer pergunta. Mesmo que seja do tipo: o que é isso?, quem lhe deu? Você
não vai abrir? Ou até... você não gostou? Quando eu lhe dei? Como foi parar aí?
O que é?
Tenho uma amiga
solteira com quem troco algumas confissões, só algumas. Ela tem uma teoria
sobre os homens que talvez se encaixe: todos, todos, todos eles vivem em um
mundo paralelo. Nós mulheres é que precisamos entrar no mundo deles.
E-N-T-R-A-R! E-N-T-R-A-R!E-N-T-R-A-R!
Eu pensava já ter e-n-t-r-a-d-o há algum tempo no universo de meu marido! Essa
história de “pensar" era uma grande furada. Grande cafajestada que a
filosofia da vida diária ensinava ao contrário.
Mas a culpa de ainda não estar fazendo o melhor, empurrava os votos que
eu fizera PARA SEMPRE... PARA SEMPRE... PARA SEMPRE... na saúde e na doença, na
riqueza e na pobreza!
O que eu deveria fazer?
Estimulá-lo a falar mais? Dizer o quanto eu estava com ele? Já dissera, eu
dissera e escrevera isso tudo em bilhetinhos amorosos que fui deixando sobre a
mesa, sobre o criado mudo, sobre sua agenda, no seu bolso... eu disse tudo isso
pendurada em seu pescoço para brincar um pouco com a situação tão séria pela qual ele passava.
Eu disse... eu disse que estava com ele,
completamente!
Eu também desejava falar algumas coisas. Estava precisando
C-O-N-V-E-R-S-A-R... ai que saudade de conversar! Tocar, ouvir e dizer, dizer e
ouvir, ser dita, interrompida, continuar dizendo, ouvindo, olhando nos olhos.
Recebi um sorriso de
meu colega que parecia recheado de todas as conversas que eu estava querendo
ter... com o meu marido.
De que forma o meu colega conseguia ser presente
e a gente nem percebia que ele estava ali? Não falava muito, mas dizia tanta
coisa de um jeito simples, silencioso... será que ele não daria algumas aulas
sobre “esse” comportamento? Meu marido ficaria perfeito aprendendo a ficar um
pouquinho comigo. Será que... se eu pedisse de uma forma indireta?
Voltei para casa e decidi ter uma conversa direta com o pacote de
presente plantado na sala.
Disse tudo o que
estava sentindo. Falei que estava confusa, angustiada e o resto todo. Que estava me
sentindo sem espaço ou com espaço demais, não sabia. Falei de mim, do trabalho,
do casamento, da teia de aranha que já envolvia parte do pacote, falei de meu
marido...
E juro! Juro que ouvi
o pacote dizer: fala para ele, sua boba!
Falar para ele?
Tá! Posso tentar mais uma vez... não custa!
Afinal, aquela história de universo paralelo ainda está rodando em minha cabeça
como se minha amiga estivesse ali repetindo e repetindo e repetindo!
Eu ia falar, mas não mexeria com o pacote.
Aquele presente era uma espécie de talismã da sorte (ou do azar supremo), um
símbolo do ainda inalcançável momento em que diria, com muito amor e calma:
"vamos discutir a relação", ou melhor, a “SUA RELAÇÃO PARA COMIGO,
MEU MARIDO ESQUECIDO!".
Minha amiga
dizia que no universo paralelo dos homens não existia qualquer preocupação com
datas, (fora as que interessavam sobremaneira a eles e nem valia o esforço de
enumerar...), com tipos (exemplo disso, segundo ela, é que tanto fazia a marca
da cerveja desde que estivesse bem gelada), com mudanças (homens não cortam o
cabelo para fazer catarse e nem sabem quando cortamos o nosso a não ser que
paguem a conta detalhadamente descrita e com valor a-b-s-u-r-d-o!), com alterações de humor (eles
ingenuamente acreditam ser equilibrados, racionais, pragmáticos, objetivos...
entre outras balelas que teimam em levantar como grandes verdades).
Tá!Tá!Tá! Vou mandar
uma mensagem bem romântica e adiantar que quero ter uma noite só para nós dois.
MEU MARIDO CHEGOU PUTO, AZEDO, CARRANCUDO, ATRASADO
E COM O RELATÓRIO PRONTO!
Li o relatório! Concordei com seus argumentos.
Afinal, ele não estava errado e era seu o direito inabalável de reivindicar uma
avaliação justa do trabalho que fazia. Meu marido era um homem competente, com
muitos anos dentro da mesma empresa, conhecia a política interna de avaliação
funcional.
Perguntei se recebera a minha mensagem.
Não!
Estava ocupado
demais para ler mensagens e, além disso, ele também me amava.
Lá ia ele ficar
preocupado em ler mensagem durante o dia? Palavras não fazem dinheiro, não
movem o mundo, não servem refeições nem pagam as contas no final do mês.
Fiquei com raiva. Vou fazer greve de
palavras e de todo o resto! Bom... o resto já está em greve há alguns dias. Por
causa do estresse dessa “coisa”
da promoção do chefe! Vou dormir pelada, perfumada olhando para o pacote
que eu tenho certeza, certeza absoluta, está rindo de minha cara.
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