JANELAS QUEBRADAS


JANELAS QUEBRADAS
                                                Divagações masculinas "pós-jogo" de futebol
                                                        - a prosa de um homem só -


                                   As fraldas de minha camisa pareciam asas de borboleta louca. Ajustavam-se ao encontro do vento que assobiava melodias alquebradas. Flâmulas de uma embarcação naufragada. Fantasmagóricas, as fraldas dispunham-se a desnudar-me.
                                   Eu estava ao sabor do vento, desejando ser levado sem convite. Não existem regras para os convites feitos pela força do desejo. Nem medidas para o prazer em escalar o desconhecido, livre de intenções catalogadas. Prazer de ir, simplesmente ir.
                                    Vagas lembranças teimosas infiltram-se entre as lufadas do vento. Não as quero próximas a mim. Distancio-me acreditando deixá-las onde devem ficar. Vagas lembranças esgueiram-se por entre as fraldas implacáveis.
                                   Meus olhos ardem. Naufraguei nas sombras da melancolia que me atava ao passado havia muito tempo. Ali, naquele espaço abandonado, eu refazia a caminhada desastrosa que culminara por deixar-me órfão de mim mesmo. Soberano, eu acreditava em equilíbrio diante da vida. Racionalizava as ações e os fatos à mercê de qualquer pretexto funcional. Pragmatismo era meu segundo nome. O primeiro apagara-se quando descobri que de ilusões também se constrói a vida diária. Os imperiosos fatos que espadanaram minhas certezas cortaram os alicerces nada concretos das empreitadas de sucesso. Por algumas horas, eu acreditei que seria possível sentir a vitória dos movimentos em campo. Campo aberto, bem tratado, em nada lembrava o último jogo desordenado e sem sucesso que fora obrigado a amargar.
                                   Meus olhos ardem. Os momentos preciosos que separavam o "eu" atual do "eu" há poucas horas atrás se manifestava em festa para o outro lado da torcida. Legitimamente não existem torcidas. Minhas elucubrações culminavam em outros conceitos, especialmente nesse caso: torcidas são movimentos psíquicos, mera energia volátil que em nada se assemelha ao desejo de estar onde não se imagina possível. Eram as lembranças vagando pelas cores das camisas suadas. Não funcionara, dessa vez! Outra vez mais, o empuxo exercido sobre time resultara em desigualdade na liberação do fluído deslocado.  A força vertical dirigida para cima daqueles companheiros irmanados, não passara pelo centro de gravidade dos corpos imersos em emoções líquidas. Meus olhos ardiam. As fraldas de minha camisa terminaram por expor a nudez de meu estado de ânimo: melancólico, sentei para absorver melhor a certeza de que meu time naufragara. Definitivamente, naufragara.
                                   A ilusão era uma necessidade primária contida a custo para encaixar-se em um mundo que cobra os resultados imediatos. Ilusões desfocadas queimavam-me enquanto ouvia o alarido que atravessava a cidade. De um lado, os ganhadores, de outro, os que sofriam o açoite dos ventos traiçoeiros.
                                   Como voltar para o lugar de sempre se para chegar até ele eu precisava desconstruir-me? Já não bastava a dor que tomava todas as formas circulares desenhadas em meu pensamento?
                                   Com os pensamentos nas mãos, tratei de voltar por aonde viera.
Os caminhos da vida podem ser bifurcados, mas o time do coração não joga para perder. Então, até o próximo jogo eu engoliria a necessidade de destacar a minha soberania enquanto futebolista de janela quebrada. Janela quebrada... a coisa toda começava por aí!
                                        "Hasta la vitória, siempre!"
                                          Che Guevara

                              


                              

                              




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