PARTE VIII

PARTE VIII - DIÁRIO DE UMA MULHER QUE NÃO QUER TRAIR



EM UM DIA DESSES...


                                Passamos uma semana interessante. Consegui falar de minhas coisas, mas percebi que meu marido tem mais assunto do que eu. Ou, tem mais  necessidade de colocar os assuntos dele para mim. Estou vencendo o egoísmo e amadurecendo. Sento em frente a ele e o escuto até o fim.

QUASE UM MÊS DEPOIS DA CERIMÔNIA DE RECONCILIAÇÃO...


                              Meu marido recebeu uma advertência do chefe: “ CUMPRIR METAS ESTIPULADAS OU...”. Eu sei o peso do “...ou”, mas também pode-se ver pelo lado do estímulo, da... da...

                              Nós ainda não fomos dormir. Não jantamos também. Meu estômago dá voltas, minhas pernas formigam e minhas nádegas ficam ainda mais flácidas apertando-se contra o assento da cadeira e doem. Doem na ordem certa de atingir a musculatura sem exercício e minha consciência das duas. Preciso ir a uma academia endurecer as “partes”.
                             Parei de andar atrás dele pelos cômodos da casa, porque nos esbarramos várias vezes e percebi que ele não notou. Enquanto o escuto escrevo aqui, aqui mesmo, no meu diário, único lugar de consolo. Todas as mulheres deveriam ter um diário. Um diário, diariozinho, uma folhinha de anotações; por menor que seja, ajuda a recolher em um lugar seguro o momento de não saber o que fazer. Facilita para procurar a melhor solução, a melhor palavra, para baixar o volume da voz, para não gritar CHEGA!!!!! em hora inadequada ou antes da hora. E eu, em particular, posso continuar escrevendo porque ele não mais me vê. Já faz um bom tempo que saí da linha de sua visão! E pela primeira vez estou bem. Não estou com sintomas de rejeição, de “escanteamento”, de isolamento.
                 Esse é um momento singular, e eu estou dominando as minhas sensações, os sentimentos que brotam de lugares diversos. É um momento que já conheço: a conversa muda de estado, de interlocutor, de “lugar” e passa a  ser qualquer coisa interna, ou se desenvolve em um universo distante, cuja dinâmica e cenário envolvem o chefe, o que o chefe pensa, o que meu marido pensa que o chefe pensa, o que o chefe de meu marido diz, o que meu marido acredita ter ouvido de seu chefe... não sei.
                    Escuto a voz de meu marido alterar-se em vários tons. Ele repete seus conceitos e julgamentos. Volta a dizer o que já disse. Reforça o que começou a dizer. Muda de interlocutor sem identificá-lo verbalmente. Tento fazer alguma interferência, mas o turno da fala dele é ininterrupto. Parece um contínuo sem espaço como se um bloco de palavras se construísse sobre uma plataforma compacta, sem cortes, sem vacilos, sem fronteiras, sem bordas.
                 Eu estou crescendo. Vou ficar aqui, ao lado dele, olhando para os olhos que não me veem e ouvindo as falas que não são para mim.
                 Droga! São 2:30 da madrugada, estou sentindo fome, frio e cansaço.
                  Fiz um chá para nós dois mas ele não tomou o dele, ofereci uma cerveja que esquentou e “chocou” sobre a mesa da cozinha. Estou com fome, mas o sono está pior. Já borrei várias palavras aqui no meu canto de consolo, e nem sei mais o que escrever. Preciso dormir. Vou tentar levá-lo para a nossa cama...


DE MANHÃ...
                        

                            Acordei na cozinha.
                            A mesa fria me acordou. A dor nos braços mandou um sinal para o meu pescoço torto e a minha bunda amassada.    Atrasadíssima  para o trabalho. E... meu marido saiu antes de mim. Será que ele está melhor?

                            ESTOU NO TRABALHO, AMASSADA E CANSADA! Ai!!!!! EU MATO O CHEFE DE MEU MARIDO!

Liguei rapidamente para o celular de meu marido. Quero dizer o quanto estou com ele, que o amo muito, que vou ajudá-lo a superar essa fase, que confio em sua capacidade de conduzir a situação, que...


                     C-A-V-A-L-O!
         C-A-V-A-L-O!
C-A-V-A-L-O!                                                       C-A-V-A-L-O!
        C-A-V-A-L-O!
        C-A-V-A-L-O!
        C-A-V-A-L-O!
        C-A-V-A-L-O!
        C-A-V-A-L-O!
        C-A-V-A-L-O!
        C-A-V-A-L-O!
        C-A-V-A-L-O!
        C-A-V-A-L-O!
        C-A-V-A-L-O!
        C-A-V-A-L-O!
        G-R-O-S-S-O!
        G-R-O-S-S-O!
        G-R-O-S-S-O!
        G-R-O-S-S-O!
        G-R-O-S-S-O!
        G-R-O-S-S-O!
        G-R-O-S-S-O!
        G-R-O-S-S-O!
        G-R-O-S-S-O!
        G-R-O-S-S-O!
        G-R-O-S-S-O!
        G-R-O-S-S-O!
        G-R-O-S-S-O!
        E-S-T-Ú-P-I-D-O!
        E-S-T-Ú-P-I-D-O!
        E-S-T-Ú-P-I-D-O!
        E-S-T-Ú-P-I-D-O!
        E-S-T-Ú-P-I-D-O!
        E-S-T-Ú-P-I-D-O!
        E-S-T-Ú-P-I-D-O!
        E-S-T-Ú-P-I-D-O!
        E-S-T-Ú-P-I-D-O!
        E-S-T-Ú-P-I-D-O!
        E-S-T-Ú-P-I-D-O!
        E-S-T-Ú-P-I-D-O!
        E-S-T-Ú-P-I-D-O!
ENERGÚMENO! QUADRÚPEDE!
CRETINO!
EGOÍSTA!
IDIOTA!
CHATO!
RIDÍCULO!
MANÉ!
RECLAMÃO!
GROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOSSO!
Rude!
Bronco!
Desumano!
Quadrúpede de pelos!
Imbecil!
Cretino!
Grosso!
Grosso!
Grosso!
FdP!
FdP!
FdP!
AI!!!!!!!QUE RAIVA DE MIM!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Eu é que sou uma idiota, uma burra, uma idiota de novo, uma ... uma...idiota mais idiota do que qualquer outra.
Sou uma mulher babaca! Burra! Idiota tantas vezes que eu possa escrever e deixar de escrever nesse diário de merda!...
De merda sou eu! Sou uma imbecil.
IMBECIL!
EU SOU UMA MULHER IMBECIL!
Como é que ninguém me disse isso antes? Eu sou uma
I-D-I-O-T-A  em letras garrafais, gordas pesadas e com “h” antes do “i” e  depois do “t”.
H-I-D-I-O-T-H-A!!!!!!!!!!
“Y-N-D-I-O-T-A!!!!!!!!!!!
“H-I-D-I-N-H-O-T-A!
  Vou rasgar esse diário ...Vou me provocar  uma overdose de xingação!!!!! Não consigo controlar a raiva e o bolo na boca do estômago!!!!
ESTOU SOFRENDO DE HIDROPISIA EM TODAS AS CAVIDADES DO MEU CORPO!!! Especialmente na cavidade ocular. Vou me afogar nas lágrimas de raiva, vou me tornar hidrófoba por causa do asqueroso, do energúmeno, cavalo, do grosso, do áspero, do insensível, do egoísta, do... do... do meu marido!

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