EM uma CIDADE com NOME de SANTO - parte 1
EM uma
CIDADE com NOME de SANTO
Ivane
Laurete Perotti
Dedicatória: "Às
cidades que abraçam os que chegam..."
... sempre desejei iniciar uma frase com
reticências.
No meu universo onírico os três pontinhos
ocupam um lugar privilegiado, especialmente quando quero dizer sem dizer,
contar sem mostrar, ou quero fazer aquele silêncio tão eloquente que fere os
ouvidos de quem o escuta – e cutuca a alma dos que pensam que DEUS não fala.
E foi exatamente por
causa deste silêncio que uma folha de papel em branco branquinho bateu em minha
porta.
Bateu, entrou e sem
pedir licenças, deixou em cima de minha mesa uma caixa de giz de cor
bentinha-da-silva, benzida no dia 06 de janeiro pelo Padre Magro.
Vou lá eu saber o que uma
caixa de giz tem a ver com a minha mesa – quero dizer: tem a ver comigo?
O
problema todo aumenta porque desde pequenininha não suporto ver
folhas
de papel em branco.
Eu e todas as crianças do planeta
sofremos de uma saudável síndrome oniparente (do Lat. Omniparente) _ enquanto
não conseguem curar-nos dela (às vezes, conseguem!).
Pois ficamos a olhar-nos,
desconfiadas, a folha de papel e eu.
Genuinamente onipalrante (...)
muda entrou e muda ficou.
Quem aguenta?
Silêncio tem sentido e
aquilo ali não tinha qualquer razão para mim.
Durante dias tudo o que se
podia ver era a inscrição de três letras: “G”, “M” e “B” sobre a tampa da caixa
de giz bento.
E nada da folha fazer qualquer
observação.
Folhas em branco são onímodas
(do Lat. omn... ah! essas reticências são fenomenais!), desconhecem limites e
jamais criam restrições.
Podem tudo! Tanto que aqui
estou obedecendo sem reclamar.
Tanto obedeci quanto busquei a
ajuda de quem realmente entende do que não se entende: três adoráveis crianças.
“L.”, “G.”, e “J.” muito
pacientemente iniciaram-me nos conhecimentos desconhecidos dos sinais. E foi só
comentar o fato para a folha em branco deixar de fitar-me inquietantemente –
não posso esconder-me das irmãs dela que perambulam por aí, divididas em resmas
poderosíssimas, mas uma vez iniciada a história, penso que terei um pouco de
sossego, ou não!?
No intuito de preencher a
folha com alguns sinais, começo dizendo que para conhecer a razão da caixa de
giz precisei voltar no tempo e revisitar a festividade que envolve a data de 06
de janeiro em uma simpática, hospitaleira e bela cidade mineira que “realmente”
carrega nome de santo. Mas antes de eu
entrar nesta questão, devo dizer que ali, enquanto aprendia sobre a festa, no
“segredo” luminoso e protegido pelas montanhas, conheci um “fazedor” de potes e
potinhos.
Tenho dúvidas sobre ser
ele um “fazedor”, pareceu-me no primeiro momento (aquele em que a lucidez ganha
força em nossas mentes intuitivas) que a ciência de sua arte estava no
indizível, no improvável, ou seja, bem embaixo do nariz de todo o mundo.
Aberta, sua oficina parecia
ter entradas que não se viam, mas que indicavam o que realmente estava lá.
E com a generosidade
gentil que só os mineiros sabem ter, ele abria portas, janelas, caixas, caixotes,
mostrava todos os potes e até ensinava fazê-los.
Havia quem por nenhum
motivo saísse de lá.
E foi esse o primeiro
sinal.
O segundo saltava aos
olhos, mas certamente só era visto por quem sabia ver: o casal de aves.
Avestruzes são comuns em
determinadas regiões, mas incomum é encontrá-las emparelhadas a uma carroça.
Mais coloridos do que nunca, o casal de olhar penetrantemente inteligente
acomodava-se imperturbável a um canto da oficina. Pareciam ter estado sempre
ali, ligados ao desenho invisível das portas sem moldura, adornando a entrada
do labirinto de sonhos respirado em todo o ambiente do “fazedor”.
A oficina era realmente um
lugar bem visitado.
Todo o tipo de pessoas buscava os
favores do artesão e seu assistente.
Qual dos dois atendia melhor?
Ora, isso lá é pergunta que se
faça diante de tanta gentileza e bons modos!?
Do mais velho tinha-se a
garantia da eficiência e do sorriso cativante; do mais novo – além da calorosa
recepção, sabia-se de antemão que o tempo gasto reverteria em excelentes e
curiosas conversas de menino perguntador.
Banquinhos entalhados em madeira
de demolição – cada um deles guardava uma história diferente muito bem
rememorada pelo fiel assistente que jamais cansava em insistir na preservação
do meio ambiente _
eram
séria e gentilmente oferecidos aos visitantes.
É importante comentar que em
um determinado dia chegou à pequena cidade um homem de outras paragens. Sisudo
e crítico quanto até o que não sabia, quis ouvir do menino tudo acerca do que
ele falava.
O pequeno que de rogado não se
fazia, falou e falou, sem dizer demais.
Contou histórias que conhecia,
falou de lugares por que passara, falou das flores e da alegria, disse da paz,
da água e até citou o santo do dia.
Cansou-se o forasteiro e a tudo
chamou de hipocrisia.
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