Arco-Íris Invisível parte II
Pigmentos sobre gesso/Ivane Laurete Perotti |
ARCO-ÍRIS INVISÍVEL
Ivane
laurete Perotti
(prêmio
LITERARTE 2012 em Literatura Nacional Infanto-juvenil)
Parte II
A minha ansiedade pela hora
da festa era tanta que certamente cresci alguns bons centímetros.
O quintal estava ainda
mais colorido. Balões e mesas de várias cores misturavam-se às folhas das
árvores. E eu sabia que um bolo enorme havia sido feito pela minha avó.
_ Esse bolo deu
trabalho, meu filho! Ora... nunca ouvi um pedido igual. Que outra criança
pediria um arco-íris no lugar das velinhas?
Mas a minha avó
conseguira as duas coisas. Fizera um arco-íris percorrendo todo o caminho das
seis velinhas. E... acreditem!!! Sem saber, ela colocou uma cópia de meu
amiguinho sentado bem no meio das cores.
_ Vó! Como você conhece
o meu amiguinho? Onde conseguiu uma foto dele?
_ Que amiguinho, meu
filho???
Eu começara uma grande
conversa que a lugar algum conseguiu chegar.
Não entendi de onde
minha avó o conhecia, pois eu não o apresentara a ela. E, nem minha avó
conseguiu que me fazer responder o que ela queria. Uma vez que eu também não
entendi as perguntas dela.
Não tinha importância.
Quando meu amiguinho chegasse eu o levaria logo para perto do bolo e depois até
minha avó! Assunto resolvido!
Todos os meus
coleguinhas chegaram com as mãos carregadas de presentes!
Eu dizia como tinham
me ensinado:
_ Não precisava
trazer presentes...
Difícil entender
isso. Eu queria muito os presentes, todos sabiam disso. Não era mais simples
então eu agradecer e pronto? Por que eu deveria dizer uma coisa que não era
verdade?
Mas eu disse a mesma
frase para todos eles. Menos para a minha mãe e meu pai. Afinal, eu brigara
muito para eles comprarem o que eu tanto queria. Como iria dizer que não
precisava me dar? E se eles acreditassem nisso e devolvessem minha “fazendinha”
cheia de animais?
Ah! Não entendia muito
bem essas coisas de adulto.
Minha festa só virou festa
quando meu amiguinho chegou.
Mais encabulado do que
nunca! Estava com pressa, precisava voltar.
_ Mas voltar como,
você acabou de chegar!
_ Vim para lhe dar o meu presente...
Foi a primeira vez que
ele me abraçou!
Sempre gostei de
abraços, e tinha até uma classificação para eles: abraço quebra-ossos, abraço
de minhoca, abraço de borboleta... entre muitos outros que ia descobrindo
quando abraçava alguém. Em especial, o de meus pais e o de mina avó! O abraço
dela vinha sempre com algumas voltinhas no ar. Era um abraço-rodopio!
Meu amiguinho me deu um
abraço que ficou sem nome até agora.
Eu senti uma mistura de
felicidade, alegria e outra coisa mais forte que parecia vontade de chorar. Mas
eu não estava triste. Pelo contrário, nunca estivera tão feliz!
Um cheiro bom de algodão-doce saiu dos
cabelinhos dele. Um cheiro de goiaba madura saiu dos braços. Um cheiro de
chocolate branco saiu das orelhas e de repente, eu pensei em um monte de coisas
boas para explicar o meu presente.
_ Feliz aniversário,
Rafael! Que você seja...
_ Rafa!? Rafa!? Venha
cá, meu filho!
Minha avó me chamava.
Não poderia ser hora melhor para eu apresentar meu amiguinho!
_ Vó!
_ Rafael!?
Humm!!!...humm!!!... que cheirinho bom! A sua festa está cheirando muito bem.
Antes que eu
conseguisse dizer alguma coisa, fui envolvido pelo abraço-rodopio da mãe de
minha mãe. A mãe de meu pai morava no céu, como me explicavam sempre. E então,
ela só conseguia me espiar de lá do meio das estrelas. Certamente também estava
querendo me abraçar...
_ Vó! Quero que você
conheça meu amiguinho!
_ Qual deles, meu amor?
_ O meu amiguinho que
você copiou para colocar no bolo...
_ E onde ele está?
Se não fosse por esse
detalhe, a festa teria sido perfeita.
Meu amiguinho foi
embora sem me avisar. Possivelmente estivera ali escondido de sua mãe e não
pudera ficar.
Ainda assim eu o
procurei e esperei voltar. Quem sabe ele não conseguisse convencer a sua mamãe
de que a minha mãe poderia cuidar dele durante a festinha?
Mas ele não voltou. A
mãe dele deveria ser ainda mais difícil de convencer do que a minha.
Na próxima vez em que
nos encontrássemos, eu iria lhe ensinar sobre as “carinhas de pidões”. Eram
quase infalíveis. “Quase”, pois às vezes nem mesmo a minha melhor carinha
conseguia dar conta de convencer a minha mãe.
Não sei muito bem o que
aconteceu na minha festinha de aniversário.
Brinquei muito apesar
da falta que senti de meu amiguinho.
Mas alguma coisa
estranha estava acontecendo comigo e eu não sabia explicar. Estranha porque eu
nem comi o bolo e tive muita dor de barriga durante vários dias.
Também sentia que minha
cabecinha estava com água dentro dela.
Minha mãe me acalmava,
dizendo que isso era o resultado de um pouquinho de fraqueza, como explicara o
meu médico.
Eu não conseguia voltar
para a escola. Sentia falta de meus coleguinhas e do colo de minha professora.
Os dias ficaram
estranhos e eu já estava cansado de todas as vezes que via meu médico.
Acho que ele também cansou de me
ver. Pois mandou meus pais procurarem muitos outros colegas seus.
Eu ia a todos eles
sempre com um certo medinho de precisar fazer mais alguns exames. E precisava.
Enquanto isso, a água que parecia ter
entrado em minha cabecinha me deixava tontinho, tontinho. Sem vontade de
brincar.
Queria saber o endereço
de meu amiguinho para chamá-lo lá em casa.
Minha família tentara
encontrá-lo sem sucesso. Mas eu tinha certeza de que ele voltaria para me
visitar.
E foi isso que
aconteceu. Mas não sei como explicar que a primeira vez em que o revi foi em um
sonho muito bonito.
_ Ei!!! Você veio
brincar comigo!
_ Eu vim visitar você em
seu sonho, Rafael.
_ Não estou
entendendo...
_ Em seu sonho, nós
podemos brincar de várias maneiras. E nesse momento, eu poderei vir toda vez
que dormir.
_ Então...
_ Sim, eu virei visitar
você e poderemos brincar juntos.
Lá estava ele outra vez,
lendo os meus pensamentos.
E em meu sonho, nós brincamos. Minha
cabecinha não parecia cheia de água e nem minha barriga reclamava de toda a
correria.
_ Rafael, acorda! Está
na hora de seu remédio, meu filho.
_ Mãe, ele veio me
visitar.
_ Quem veio visitar
você, meu amor?
_ O meu amiguinho,
mamãe...
_ Ah! Sim... Ele veio.
E do que vocês brincaram?
_ Nós fomos brincar no
quintal. Você não me contou que cortaram o pé de amora...
_ Quem... quem lhe
contou do...
_ Eu vi, mamãe. Por que
ele foi cortado?
_ É... você... você
viu?
_ Vi, mamãe. Por que o
cortaram?
_ Ele... ele estava
atrapalhando o sol de...
_ Atrapalhando o sol?
_ Sim... estamos
precisando de muito sol no quintal, na casa, em seu quarto...
_ Mas o pé de amora não estava atrapalhando
ninguém.
_ Não se preocupe, meu
filho, logo ele estará forte outra vez. Seu pai apenas fez uma poda, não o
cortou fora.
_ O que é uma poda?
_ É uma forma de cortar a planta de modo a
ajudá-la a crescer mais forte.
_ Você não pode fazer
uma poda em mim?
_ Rafael, meu filho,
isso lá é coisa que se fale!? Você é um menino muito forte e logo, logo estará
ainda mais forte.
_ Tá... mas eu quero
brincar com o meu amiguinho.
_ Brincar é muito bom,
mas o seu amiguinho, ele... ele tem um jeito de vir até aqui? Podemos
convidá-lo para...
_ Só se eu dormir...
_ Se você dormir?
_ É, agora ele vem me
visitar nos sonhos, depois, quando eu ficar mais forte, vamos brincar no
quintal.
_...
_ Mamãe, você sabe que
ele não vinha aqui desde o meu aniversário?
_ Não... eu não sabia.
_ Ele me trouxe um
presente...
_ E que presente foi
esse?
_ Um abraço cheiroso...
com muitos cheiros bons...
Minha mãe ficou ainda
um tempo ao meu lado. Não me perguntou mais nada, apenas sorria para mim. E seu
sorriso lembrava todas as coisas boas de que gosto.
Brinquei muito com meu
amigo. O meu sono era um convite direto para ele me visitar. Eu gostava de
dormir e não sabia.
O quintal ficou pequeno
para todas as nossas brincadeiras.
Certo dia, pedi para
ele me levar para o lugar em que o vira na primeira vez.
_ Ah!!! Claro!, quando
você conseguiu acertas aquelas bolotinhas espinhentas em mim.
_ Mamão-bobo...
_ Mamão, melão, é tudo
a mesma coisa redonda!
_ Não! Não é não! Mamão é
uma coisa e melão é outra.
_ Hum...
_ Você não sabe a
diferença entre eles?
_ Bem, começam com “m”
e terminam com “ao”...
_ Você não sabe, você não sabe!!!
_ É que...
_ Vamos, você precisa
experimentar. A mamãe tem sempre mamão em casa, eu como todos os dias.
_ Não, eu...
_ Vem!!!
_ Melhor não, eu...
_ Vamos! Depressa! Sei
onde estão as frutas.
Nunca entendi por que
o meu amiguinho não conseguira comer. Mas olhando para ele enquanto cheirava as
frutas, pensei que a mãe dele não era tão cuidadora como eu pensara. Ou, então,
ele não tinha condições de comprar frutas... ou... ficaria sem saber, pois eu
voltava do sono sem dizer até depois!
Só lembrei-me de minha
vontade de brincar no arco-íris vários sonhos depois.
_ Hoje nós podemos
usar a sua escadinha?
_ Não há escadas, é só
subir.
_ Minha mãe sempre me
diz para eu ter cuidado com o lugar em que coloco meu pé...
_ Sua mãe tem razão!
_ Então, onde está a
escada e...
_ Nós estamos em seu
sonho, lembra?!
_ Ah! É mesmo...
No sonho e sem escada,
encontrei formas de nuvens que se deixavam passar em meu rosto. Antes de chegar
ao arco-íris, descobri por que o céu tem esse nome: não tem paredes, nem mesmo
é o teto que parece quando a gente olha de baixo. Não termina nunca, nunca,
nunquinha. Pelo menos, foi o que eu entendi tentando espichar os olhos até onde
conseguia.
_ Este é o que vocês
chamam de firmamento.
_ Firmamento?
Lá estava ele ouvindo
meus pensamentos outra vez.
_ É!!!
_ Então, a boca da
gente também tem um firmamento...
_ ..
Acho que essa parte ele
não entendeu. Mas era o que eu sempre ouvia lá em casa, sobre tomar cuidado com
o céu da boca, ou firmamento da boca, entendia agora.
Eu tinha seis anos e
sabia das coisas. Ou as coisas se faziam saber por mim. Tanto fazia.
Conheci nuvens grossas, quase molhadas. Nuvens
fininhas, quase transparentes. Nuvens em fiapinhos, que pareciam rasgadas,
rasgadinhas. Nuvens com jeito de coisas, animais e gente. Nuvens que pareciam
desenhadas a mão. Eram tantas que quase me esqueci da brincadeira que estava
por vir.
_ É aqui! Hoje ele
está escondido, precisa se recarregar...
_ O arco-íris é
elétrico?
_ Não!
_ Tem bateria?
_ É claro que não!
_ Pilhas?
_ N. não! olha! Ele
precisa da água da chuva e da luz do sol para alimentar suas cores.
_ Hummm! Entendi...
Mais uma coisa para eu
contar em casa, apesar das caras estranhas que faziam quando eu contava uma
novidade que aprendera com meu amiguinho.
_ Posso levar o pote
para casa?
_ Que pote?
_ O pote de ouro que...
Pela primeira vez eu o
ouvi rir alto, longe e repetidas vezes!
_ Você também?
_ Eu...
_ Ora!!! Isso do pote...
Chegamos onde ele disse
que iniciava o arco-íris.
_ Uau!!! Um trilho de trem
de várias cores!!!
_ É, até parece, um
pouquinho, mas veja. Nós só podemos ir até certo ponto. Não poderemos passar
dali.
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