Também vou à escola
TAMBÉM
VOU À ESCOLA
DEDICATÓRIA:
"Aos que
interagem com a vida nas ondas que ela faz.”
Corriam, corriam e corriam.
Era a
hora do recreio. E criança já nasce sabendo correr.
Criança não tem freio, nem vela, nem manual de instruções. Criança corre
porque sente vontade de correr.
Olhando de cima,
com a música inaudível que acompanha os observadores silenciosos, vários
desenhos eram traçados pelo pátio da escola. Como se respingos de tinta se
espalhassem em todas as direções. Como se um campo de flores coloridas dançassem
de lá para cá, de cá para lá.
Era
assim em todo o recreio. Crianças são crianças em qualquer lugar. Não podem
recolher a força que as move, pois isso se igualaria a encolher o universo.
Mas esse
recreio tinha um movimento diferente: era o primeiro recreio de Sofia.
Nunca
vira tantas crianças juntas e nunca recebera tantos abraços ao mesmo tempo. As
rodas de sua cadeira não paravam de girar. Quando parecia que alguém cansara,
outra criança começava a empurrar.
De
brincadeira em brincadeira, Sofia descobria uma gargalhada nova, um movimento diferente, um par de
pernas mais rápido do que suas duas rodas... ou não! Tudo dependia de quem a
estava empurrando. Correr e rodar eram quase a mesma coisa, especialmente em um
lugar em que as diferenças não faziam um obstáculo para as brincadeiras mais
engraçadas. Sofia já sabia que iria gostar muito do recreio. De todos os
recreios cheios de crianças e brincadeiras.
A
escola parecia um lugar para grandes aventuras.
E olha
que, sua mãe, sempre preocupada com o melhor para ela, até pensara em deixá-la
fora da escola. Sua preocupação maior era que não fosse aceita assim como ela
era.
E porque
não?
Ora...
todas as crianças gostam de brincar, independente do tamanho de seu corpo e da
rapidez de suas pernas.
Brincar é
um bom jeito de aprender a se tornar adulto. E agora, estava descobrindo que
“recreio” era uma palavra doce, redonda e cheia de barulhos gordos. Barulhos
gordos de alegria!
Ao
primeiro sinal, o burburinho e as brincadeiras deram lugar a um movimento mais
lento. Várias crianças corriam para o banheiro, para o bebedouro, enquanto outras
sentavam nas escadas para recuperar o fôlego.
Outro momento mágico, pois todos queriam saber se ela precisava de
alguma coisa.
Ops! Precisava fazer xixi! E logo! Até esquecera que estava “apertada”.
Fazer xixi era outra aventura radical! Mas ela conseguia dar conta de
fazer tudo direitinho!
Afinal, suas perninhas não conseguiam mover-se, mas a sua cabecinha... ora!
Essa viera cheia de vontade e de muita inteligência. E a alegria de que
precisava estava sempre por perto.
Sofia era muito, muito, muito feliz!
Quando conheceu Lucas, encontrou mais um amigo. Ele não era cadeirante
como ela, mas havia nascido com uma diferença muito grande nos olhos: ele não
enxergava o mundo ao seu redor. O que era só um detalhe, pois Lucas sabia “ver”
o que outros nem percebiam existir.
Sentia-se cada vez mais feliz
quando a hora mágica de ir para a escola chegava.
Em certo dia, ficara tão ansiosa que conseguira cair da cadeira e
estatelar-se no chão.
Depois do susto, ela e a mãe riram até chorar. As duas, deitadas no
chão, rolando de tanta graça pelo estabanamento de Sofia.
Criança é assim! Perde o equilíbrio até mesmo quando está sentada. E
risos carinhosos são o melhor curativo. Especialmente quando a mãe da gente
logo vê que nada de grave aconteceu.
Então, rir assusta o medo que prefere caras emburradas e olhos
derramando lágrimas.
O medo gosta de cara feia.
Cair da cadeira poderia
ser tão perigoso quanto cair no chão andando com as pernas.
Poderia ser um acontecimento importante para aprender a levantar e
continuar em movimento, claro!, claríssimo!, desde que o acidente não colocasse
a criança em risco.
Isso já era outro assunto! E que assunto... melhor deixar para quem
entende dele.
Sofia estava aprendendo a ser amada por outras crianças de sua idade.
O maior medo que guardava em sua vida de sete anos não era permanecer
para sempre presa a
uma cadeira de rodas. Seu medo era do tamanho de sua vontade de criança: não
ser aceita pelas outras crianças como uma criança qualquer.
Sabia que isso poderia acontecer; Sofia e sua mãe conversavam sobre o
assunto, mesmo porque, já acontecera algumas vezes.
Verdade que nunca fora rejeitada por outras crianças, mas vira o medo de
outros adultos afastarem as crianças de perto dela.
Porém, o momento que vivia na escola era completamente novo.
Esquecera o medo e as preocupações anteriores.
Agora
estava entre crianças que sabiam reconhecer as diferenças que fazem parte da
vida de cada um.
Somos
todos diferentes e ao mesmo tempo, somos todos iguais. É isso que
faz a diferença.
Usar o uniforme da escola a deixava ainda mais bela.
Os cadernos na sacola iam sobre as pernas que descansavam na cadeira.
A lancheira pendurada de lado.
Tudo de que precisava estava ali.
Até chegar à escola era a mãe que a empurrava; isso, quando não
encontravam alguns colegas pelo caminho.
Quando Sofia os encontrava pelo caminho e eles assumiam a cadeira,
apostavam corrida até o portão principal.
Então, era um verdadeiro
sonho sentir o cabelo voar para trás, o vento bater nos olhos até arderem
enquanto o solavanco das rodas nos buracos levantava sua sacola acima do peito.
Era divertido, e sabia que estava sendo bem guiada por quem a empurrava.
Durante a aula, as atenções se dividiam.
Sofia gostava de ler e desenhar.
A professora instalara uma mesa especial e maior para ela. Os colegas
até pediam para usá-la uma vez ou outra e claro que ela não achava isso ruim.
Pelo contrário. Gostava dos colegas, gostava muito.
No meio do semestre, a sala onde Sofia estudava recebeu mais uma aluna.
Era mais velha e diziam que não gostava de escolas.
Seria mesmo? Como poderia não gostar de um lugar tão mágico e cheio de
alegria como a escola?
Bem, cada um sabe de sua história e como a nova aluna era uma menina que
precisava de atenção especial _ já completara 14 anos de idade, mas a diretora
explicara que seu cérebro acreditava que crescera menos de cinco anos _, era
possível imaginar que nem tudo fora fácil para ela.
Foi assim que Verônica chegou.
Temerosa, olhava com o dedo na boca, roendo unha e esfregando os olhos.
Sua única fala era um tipo de grito estridente que logo de início
assustou a todos.
Mas ela era só uma criança.
E crianças sabem entender uma às outras, quando aprendem desde cedo a
respeitar a vida, as singularidades típicas de cada um.
Não foi diferente com Verônica.
As horas na escola tinham um ar de magia e surpresa que encantava
qualquer criança. Com ela não poderia ser diferente!
No momento em que foi
convidada para brincar, Verônica esqueceu todo e qualquer medo.
Vários sons de alegria saíam de sua garganta, enquanto pulava e corria
mais do que qualquer outra criança que estivesse no pátio da escola.
Logo ficou famosa pela velocidade na corrida e pela capacidade de
encontrar qualquer um na brincadeira do esconde-esconde.
A
alegria era tamanha que o recreio parecia não ter fim.
Os meninos maiores demoraram a aceitar que uma menina tão magrinha e que
não falava qualquer palavra fosse mais rápida do que eles e se fizesse entender
melhor do que qualquer um.
E
Verônica era.
Quando no segundo dia
sua mãe a trouxe para a escola, contou que tinha sido muito difícil fazê-la
ficar em casa pelo resto da tarde. Ela quisera voltar à escola a qualquer
custo.
Verônica sabia mostrar o quanto e quando queria alguma coisa. E como ela
sabia!
Nas aulas de dança, Verônica fazia par com o menino mais bonito da sala.
Todas as meninas pensavam o mesmo: ele era lindo!
Mas enquanto a timidez encolhia a vontade de
convidá-lo, Verônica ia rapidamente pegar sua mão para garantir-se. E sabia
dançar!
Quando a coragem apareceria para as outras meninas convidarem-no também?
Ninguém namorava nessa época, eram muito crianças até para pensar sobre
isso.
Contudo, achar um colega bonito não passava de uma forma clara de dizer
que o menino fora “percebido”.
Tudo
muito simples para uma criança que ainda não aprendeu a ser hipócrita. Ah! Isso
só vem mais tarde, e quando vem, pois às vezes, as crianças conseguem correr
para longe desse mal.
Brincar é um ato que exige ação política.
As crianças saudáveis sabem disso.
E quando não sabem, precisam aprender.
Brincar ensina a amadurecer sem perder o lugar e ao mesmo tempo a ceder
o lugar para o outro, sem deixar de ser quem se é.
Brincar é um jogo de crescimento muito importante. As crianças sabem
levá-lo a sério.
Tão sério que, quando Alexandre chegou transferido de outra escola, um
novo modo de brincar foi rapidamente apreendido.
Era um menino doce e tímido. Gostava de esporte, de futebol, de correr,
de pular. Mas tudo fazia com muita dificuldade e lentidão. E quando conseguia
criar coragem para entrar em uma brincadeira, passara o tempo e o recrio
terminara.
Fora assim por alguns dias, só alguns. Até as crianças perceberem o
quanto Alexandre gostava de jogos com bola.
A partir daí, o novo colega era convidado rapidamente para fazer parte
dos times, das equipes, dos grupos e sua lentidão era assimilada imediatamente.
O
importante: brincar, brincar e brincar. Ganhava aquele que estava feliz ao final
do recreio. Feliz, suado e... muitas vezes, muitas vezes: sujinho!
O
uniforme era uma espécie de armadura para o contato com o chão, com as mãos,
com as bolas perdidas. Uma armadura de algodão que ficava marcada pelo desenho
da alegria e da saúde.
Alguém pode pensar que essa história é apenas um jeito de falar sobre as
crianças e as escolas.
Não! Essa história é uma história que ainda acontece no mundo real. Está
acontecendo agora, enquanto você lê. E as crianças e a escola existem de fato,
em um lugar, uma cidadezinha tranquila, onde tudo cresce no devido tempo. E a
vontade... ah! A vontade é que as crianças brinquem e brinquem e brinquem para
aprender a aprender.
Por enquanto, mas só por enquanto o tamanho dessa cidade parece ser bem
pequeno.
Com as escolhas que a cidadezinha faz, logo!, loguinho!,
loguinho!,ficaremos sabendo do seu verdadeiro tamanho.
E outras histórias serão
escritas, e conhecidas pelo seu começo. Como essa que está apenas no início.
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