Sem cores a DAS DORES
SEM CORES A DAS DORES
Não era dia, nem noite, nem chovia, nem fazia
sol.
Era um tempo sem tempo,
feito aquele que faz os bichos perderem o medo dos homens e os homens
encontrarem alguma razão.
Ele chegou assim: firme
em sua carroça puxada por um casal de avestruzes.
Tantos potinhos carregava
que mal se podia pensar onde o tal sentava. Se é que sentava, pois parecia
flutuar entre as incontáveis “coisinhas” que carregava.
Coisinhas?
Bem, sabe-se lá como
explicar o que era aquilo: redondos, redondinhos, compridos, achatadinhos,
maiores, menores. Todos transparentes e bem fechados, isso dava para ver.
Coisas de outros mundos?
Era o que o povo começava
a dizer.
Ele permanecia imperturbável diante da
multidão que acorria e corria.
Crianças arregaladas, vovós sem avental,
homens com sabão na barba... todos, todos estes e todos os outros que não
contei olhavam sem entender.
A curiosidade era tanta, tanta!,
tanta! Que até o padre saiu para ver.
Êta!!! Coisas sem cabimento!
Benze que te benzo, sai logo daqui. Vá
de retro carrocinha, nada sei de ti.
Nem benzedura nem cara feia.
“Ele”
não interromperia seu ofício de jeito nenhum!
Queria
era encontrar logo a praça.
Mas
qual o quê?
A cidade era uma tripa
esticada para dedéu.
Nada de ver uns canteirinhos redondinhos, bem
floridos, banquinhos para namorados...
Cadê o miolo da cidade?
Toca para frente, olha para os lados e nada!
Dobra `a direita, entra `a
esquerda e só vai mesmo aumentando o povo falador.
O padre não voltara à igreja, seguia com a
multidão para onde ninguém sabia.
Caminhavam como que embriagados pela estranha visão.
Mas não era só isso.
Daquelas “coisinhas” todas
exalava um odor... hum!, como dizer!?...
Diferente?
Ora, diferente não é palavra que se apresente para
descrever o que acontecia, ou melhor, se sentia!!!
E como sentia!
Era um odor que parecia ser
conhecido, mas não se identificava: seco e úmido ao mesmo tempo, nem forte nem
fraco. Penetrante, curioso!
Seria adocicado?
Picante?
Cativante, talvez?
Era um odor conhecido, não sabido e muito
diferente.
Não dava para deixar de
sentir.
Entrava narinas adentro, descia pelos
pulmões, chegava ao estômago _ fazia uma cutucadinha de não sei o quê _ e
voltava mais forte, mais inebriante.
Enroscava no pescoço, roçava a
pele, brincava com os cabelos, soltava os rabos-de cavalo e, sei não!, parecia
fazer alguma coisa a mais.
Todos cheiravam, cheiravam,
sorriam e cheiravam.
Até o
padre inflava seu já descomunal narigão.
A multidão caminhava com o nariz à frente,
desequilibrada pelo odor que entrava e entrava. Ligada por um fio invisível,
seguia atrás da carrocinha.
Fio invisível?
Não é que talvez fosse esse o
mistério?
Pois, havia ainda o som.
Sons, sons, sons é o que eu devo dizer.
Diversos e indistintos sons. Finos, fininhos, suaves, fortes, longos, altos,
baixos, de um chacoalhar contínuo e compassado.
Ao rodar da pequena carroça,
liberavam-se os sons.
As coisinhas de outros mundos
pareciam ter vida própria. Encostavam-se, saltavam e voltavam para o lugar como
em um balé muitissimamente ensaiado.
Inebriante visão!
Ops! Visão??? lembrei-me do
quadro que tudo isso criava. Digno de um Renoir em dia de inspiração (posso
pensar em um Portinari ,
ou uma Tarsila do Amaral, ou um ...) Talvez os mestres das cores compreendessem
melhor a magia da visão que se formava.
Ninguém desistia da procissão. Nem mesmo os
gatos e os cachorros ficaram em
casa. Saíram todos.
Ele já estava desistindo de encontrar a
pracinha da cidade.
Cidade sem pracinha?
Cidade sem coração...
Namorados sem banquinhos?
Crianças sem gangorra?
Hum!!! Isso não estava em seus planos.
E agora? A quem perguntar?
Alguém poderia informar. Alguém?
Alguém “quem” daquela multidão
embasbacada?
Grandes e arregalados olhos sobre inflados
narizes aguardavam um movimento.
Ele sorriu para si mesmo. Era
sempre assim. Quanto menos alegre a cidade, menos o reconheciam. Mas isso não
se constituía em um problema. Se é que problemas se constituíam.
Voltando a “alguém", acabara
de deparar-se com um par de olhos genuinamente inteligentes. Uma alma divertida
vislumbrava-se por entre as pálpebras semicerradas.
Lindo sorriso.
Mais alguém se divertia com a situação.
Palavras bem ditas não se precisa dizer.
Os olhos falam muito mais do que os ouvidos podem ouvir. A não ser que não se
conheçam os sinais.
As crianças sempre conhecem, e
esta, ah!, esta era especialista. Não contava mais de cinco anos de idade _ idade
cronológica, claro! __, e aprimorara-se para além da conta na linguagem do...
!(Ora, falamos sobre isso depois.).
Acariciando o casal de avestruzes, deu as
informações necessárias: nem praças nem gangorras, nem banquinhos para namorar.
As amendoeiras haviam secado por falta de poesia, as crianças desaprenderam brincar,
não havia canteiros redondos, nem flores a perfumar. Só ruas retas e casas
brancas. Muito brancas, como bem se podia ver.
A escola ficava atrás da igreja e as
duas eram brancas também. A rua até elas era reta, retinha, não era possível se
perder. Ida e volta fazia-se de olhos fechados. A professora chamava-se Das Dores.
Quem dera o nome? Ora, ela nascera Das Cores, mas tanto tempo se passara...
ninguém sabia exatamente quando tudo iniciara, se é que tivera um começo. A
troca de letras foi se dando aos poucos, sem reclamações por parte da
professora. Ela não dissera "não" e então, trocaram seu nome. Houve
uma época em que tentaram chamá-la de tia e daí, esqueceram que era professora.
Confusão das confusões! Sabe como é! Tia é tia, profe é profe, é fessora, é
psora, é sora, é pró, mas não é tia, né? Bem, o Renatinho da casa da esquina é
sobrinho da Das Dores, mas ele ainda não vai para a escola. Então... você sabe!
Áh! O nome do padre é Pedro, mas ele não deixa trocarem seu nome, não! Ele é
tão gordo assim por causa do sino. Isso mesmo. Além de ser padre, ele bate o
sino de seis em seis horas. Precisa comer bastante para aguentar. Aos sábados,
ele ensina música. Mas nem sempre tem quem queira aprender. Daí, ele toca
sozinho, sozinho. É quando eu mais gosto de ouvir. Parece que o padre Pedro
fica todo colorido. De olhos fechados nem me vê entrar. Fico quietinho
escutando e até esqueço-me de voltar. Você sabe como é!
Minha casa também é branca, fica mais atrás. Vou contar um segredo: eu não gosto, não! Quando crescer, resolvo isso.
Eu e outras crianças. Vamos colorir todas as casas, alargar as ruas...
Circo? Não, nunca tivemos um na cidade. Minha
avó conheceu um circo enorme. Ela não
mora mais aqui. Belos avestruzes...
E agora, José? Como fazer o que se tem de
fazer em uma cidade sem praça?
A multidão não se mobilizara para lado
algum. Esperavam, esperavam impávidos. Talvez nem tão impávidos assim, mas a
figura fica bem ao contexto se eu remexo no texto. Retornando ao texto, haveria
de se pensar em algo.
Posto que, a bagagem da pequena carroça contava com prazo de
validade. Seguramente, necessitaria da colaboração da pequena grande criança. A
boa linguagem do... (fica para mais tarde discutirmos esta questão) agora seria
essencial, ou melhor, primordial _ (Do lat. Primordiale) Ver "Aurélio, O
Dicionário da Língua Portuguesa, 8º Edição, Editora Positivo, Curitiba, 2010). Ao
trabalho, então.
Primeiro movimento de pernas, primeiro
murmúrio da multidão, já não mais silenciosa.
ÓH! Ele havia esquecido alguns
detalhes.
Realmente, descer de uma
carroça requer sempre o cumprimento de certas regras de elegância e bom tom. Bom tom? E desde quando pernas têm a ver com tom?–
não se fazendo qualquer referência ao Jobim, é claro! Claríssimo, pois esse
teceria uma ode a respeito do tema. Que tema? Pernas ou tom?, ou era sobre
“bom” que se falava? Essa mania de comentar o texto pode distanciar o tópico.
Pode? Bem, bem, bem, voltando à primordialidade da questão, e já com os dois
pés no chão, diga-se muito rapidamente que a multidão dispersara-se em incontido
alarido. Menos o especialista na linguagem ainda não comentada.
Êta!, criança porreta!
Aqueles olhos sabiam ouvir, entender, e
conversar como ninguém. E era disso que ele precisava agora para tecer um plano
ecologicamente rápido. Sem ciclos? Ora, em se aludindo ao que é ecológico,
obviamente infere-se a ciclos. Mas entendendo-os encurtados, desta vez, pela
urgência das circunstâncias. Bem dito? Bendito, também. Esperava ele.
Era um tempo sem tempo, mas os potinhos não
poderiam esperar. Ou melhor, o que eles “guardavam” não era propriamente para permanecer
“guardado”.
Um olhar mais detido mostrava uma
cidade limpa. Seria limpa demais?
As ruas em paralelo formavam
ângulos perfeitos. Retas irretocáveis.
Os paralelepípedos pareciam
polidos a mão. Não o foram, dava a entender a sorridente criança, essa simetria
toda era obra dos mesmos passos, nos mesmos lugares, indo e vindo, sem qualquer
mudança de direção ao longo de vários e vários anos.
Conseguia imaginar? Se
conseguia! A prova estava ali, lisa e fria, quase impedindo seus pés de
permanecerem equilibradamente no mesmo lugar.
Como é que as pessoas conseguiam
andar com segurança sobre algo tão deslizante? Ora, o costume, é claro!
Acostumamo-nos por repetição, especialmente nos casos em que a ação não é
discutida.
Hum!!!Grandes reflexões
para cinco anos de experiência. Cinco? E desde quando se diz a idade de uma
criança a partir de sua data de nascimento?
Concordância total. Não era
à toa que aquele par de olhos deparara-se com os seus.
Bem, e o plano?
No mais eloquente silêncio, no meio da rua
deslizante, ao pé da pequena carrocinha e tendo por testemunhas o casal de
avestruzes, um plano foi elaborado para reviver o coração da branca e retilínea
cidade. E entenda-se que reviver é o verbo correto para este contexto, posto
ser impossível uma cidade nascer sem coração. Em algum lugar do passado ele pulsara,
pulsara até irrigar a formação daquelas famílias todas. Quem sabe alguma
vovozinha escondida em sua cadeira de balanço pudesse colaborar. Vovozinhas
sempre escondem uma história a mais em suas belas mangas de renda, entre
agulhas de tricô, no fundo das cestas de costura, dentro dos balaios de
retalhos. Isso sem falar nas fotografias de canto amarelado, nas cartas
amarradas com fitas de cetim...
Urgente! Procura-se uma vovó
sentada!
Um biscoito?
Não! Uma vovó!
Ah! Se fosse um biscoito...
Pela primeira vez desde o primeiro olhar, a
criança emudeceu.
Nos belos e profundos olhos
instalou-se uma nuvem escura e aguacenta. O casal de avestruzes aconchegou-se mais um ao outro, procurando
proteção diante de tamanha tristeza.
Tristeza nos olhos de uma criança?
Em que parte eu fugi da história?
Eu perdi o tema? Fiz comentários indevidos? Articulei mal alguma palavra? Errei
os sinais? O texto, o texto não é este, voltarei para a primeira página
e...
Não é o texto, é o contexto!
Você quer uma vovó sentada em sua
cadeira de balanço para abrir seus baús de boas recordações, não é? Pois veja.
Você não encontrará nenhuma vovó, nenhum vovô em toda a extensão de nossa
branca e limpa cidade. Eles não moram aqui. Eu lhe disse, você não leu a
implicatura em minhas palavras? Vovôs e vovós não sabem andar em linha reta,
nem conseguem firmar-se mais em nossas ruas frias e lisas. Eles são como nós,
crianças, mas com uma desvantagem muito grande: não gostam de obedecer. Querem
conversar, contar suas lembranças, querem abraçar todo o mundo, fazer doces e
comê-los na hora errada, querem colocar-nos no colo quando fazemos traquinagem,
gostam de cores , música e dança. Isso tudo seria um grande perigo para a cidade.
Além disso, todos eles sabem onde era a antiga pracinha. Contam romances que
nasceram ao pé do coreto, recitam poesias perdidas no tempo, ressuscitam flores
secas roubadas de algum jardim. Eles ainda querem dançar valsas, eles querem
sentar na pracinha para ver a banda tocar (a banda também não está mais aqui).
Eles conhecem circos enormes, lembram o nome dos palhaços. Vovôs e vovós pintam
o sete. E esta cidade só tem uma cor. Fizeram um plebiscito há muito tempo
atrás. Ficou decidido que todos eles morariam para além das montanhas. Só podemos
visitá-los uma vez ao ano, para não nos acostumarmos a tudo o que nos dão e
contam.
Posso
furar a nuvenzinha de meus olhos agora?
A nuvenzinha cresceu e encobriu a
carrocinha. A água era salgada, parecia temperada a mão.
Minutos eternizaram-se.
O tempo que era sem tempo tornou-se
frio. Foi quando ele resolveu acionar o plano
inicial.
Subiu na pequena carroça e com a ajuda
da criança, descarregou todos os potinhos.
Era pote que não acabava mais: formas indescritíveis,
espessuras variadas, tamanhos para todos os gostos, diâmetros impossíveis de
calcular.
À medida que desciam alteravam o
contorno da rua.
Desrespeitavam
a calçada, invadiam jardins, subiam nos parapeitos das janelas, no compasso de
uma frenética e inaudível sinfonia. Multiplicavam-se, multiplicavam-se como que
detentores de vida própria.
Não havia mais espaço em branco.
Nem mesmo os telhados foram poupados.
A igreja, o sino, os bancos vazios, a
sala de música, a escola, a mesa da professora, a biblioteca sem livros, a
quadra de esportes que não conhecia bola. Tudo tornara-se lugar para
alojar os tais potinhos.
Diferente da primeira cena, ninguém
apareceu para perguntar.
Fez-se silêncio na pequena cidade.
Nenhuma janela abriu em par, nenhuma
cortina correu. Se é que espiaram, ah! , isso ninguém viu.
Se cochicharam com seus botões, disso também
não se soube. Mas o fato estava ali. Alguma coisa estava acontecendo e estava
mesmo!
O
tempo passara a contar e eis que a noite caiu.
Os potinhos foram destampados um a um.
Por quem?
Ninguém viu.
Ninguém percebeu.
Também ninguém deu conta do paradeiro
da carrocinha e seu novo ocupante.
Mesmo porque passaram a noite às voltas
com sonhos antigos, lembranças esquecidas, conversas pé-de-ouvido, sons, cores,
vozes e odores entremeados com imagens vibrantes, figuras geométricas, flores
fustigantes, afagos vibrantes.
Ninguém viu em que momento as
cadeiras de balanço voltaram a ranger.
A noite teceu inúmeras colchas de
retalhos.
Uma colcha mais colorida do que a outra
emolduravam camas e sofás. Fotografias amareladas saíram de suas caixinhas de
rapé e tomaram espaço junto a outras fotografias. Os bancos da igreja
encheram-se na primeira hora da manhã.
Ah! Que bela visão... o padre Pedro reforçou o café por três derradeiras vezes
e tanto badalou o sino que moradores de outras cidades acorreram para saber das
novidades.
Curiosamente as ruas amanheceram com
novos ângulos. Uma textura menos lisa cobria os paralelepípedos. As casas
coloriram-se com os raios do sol. E no clímax das mudanças, ei-la surgindo bem
no centro da cidade: a antiga pracinha. Com seu coreto, banquinhos e gangorras,
flores, balanços e amendoeiras parecia recortada de uma tela de Monet.
Bela
e vigorosa atraiu velhos e jovens, adolescentes e crianças, casados e
descasados, apaixonados e desapaixonados. Até a professora Das Dores, em um
momento de pura lucidez, subiu ao coreto, pediu a palavra e retomou seu nome.
Das Cores, Das Flores, Dos Amores, nada mais ficou na saudade. Agora tinham
alguma coisa para dizer, para contar, para recitar, para perguntar, para
retorquir.
A cidade colorira-se na mescla dos
ciclos da vida, interativos entre si, entrelaçados por finos fios de amor e
compreensão: trocas comuns entre os que respiram a mesma emoção.
As cores aquecem os corações, assim como
as pracinhas acalentam os sonhos e até as ilusões. Estas últimas são necessárias,
tão necessárias ao mundo real que as faltando, as verdades emudecem. Quando
não, uma verdade apenas torna-se ilusão, ditadura e negação.
Se alguém escreveu que o ser humano
acostuma-se com o sofrimento, esqueceu-se de registrar que mais facilmente ele
aprende a ser feliz. E em qualquer tempo
fora de tempo, pode corrigir o que errou.
Dos potinhos nada se fala, deles também
não. Ficou uma certeza: raios de alegria multiplicam-se em saúde e bom-humor. Se
foi mágica ou esperança, se foi sonho ou não, tanto faz para quem não teme
mudar o que está.
Quanto
à discussão sobre a linguagem do... bem!,em sendo a linguagem do..., não se faz
necessário qualquer discussão.
Os sinais remontam à criação e se os
primeiros homens sabiam usá-la, certamente cada um dos outros homens traz impresso
no DNA o maior, o mais rico e mais expandido léxico da humanidade. Claro! Você está
usando os sinais agora, caso contrário já teria largado este texto.
Retomando a história do texto (ou o
texto da história _ é interessante tentar descobrir quem dá origem a quem, quem
está contando o quê de quem onde... o texto conta a história ou a história conta
o texto? Deixa pra lá! O que interessa é continuar para chegar ao fim, mas não
propriamente ao "THE END", pois esta história... ainda vai dar o que contar.), e
em se tratando das mudanças que ocorreram na cidade, há de se observar que esta
é uma história real. Então, a magia deverá prevalecer. Mas, nem todos sabem
disso. Assim, em um final de tarde qualquer, depois de algumas crianças já terem
recolhido suas travessuras, o branco bateu em algumas portas. Bateu, entrou e...
Bateu, entrou e...
Como que vindo do nada, invadiu
retinas e corações.
Um frio compungido, entremeado de pequenos
espaços soluçantes, abria janelas, levantava colchas, atravessava tapetes e
quando não, estraçalhava as margaridas em flor.
Os mais sensíveis juravam
ouvi-lo. Diziam que fazia um som glotal, parecido com o som que algumas tribos
indígenas do Alto Içana, AM, fazem. Esse som não tem descrição. Tanto se
instalou o branco frio, que não mais se sabia quem viera primeiro: o branco ou
o frio? Juntos, falavam os mais sábios, juntos, juntinhos, grudados,
grudadinhos. Não é que na casa do Seu Nadinho já fazia mais tempo que dava para
ouvi-los?
Claro! Até já virara fofoca entre
as Carolas de Padre Pedro. Nenhuma delas passava pela calçada do tal vizinho.
Tinham certeza de que eram almas penadas pesadas e empanadas. Não se poderia
diminuir a qualificação? Assim fica parecendo texto de almanaque italiano.... Ara!
Onde já se ouviu falar em alma empanada? Empanada sim, empanada, daí o branco farináceo
(ai, Jesus! Cata o dicionário para dar conta desta!) que se espalhava sorrateiramente
pela cidade. Essa história de branco se espalhando de novo?...
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