RESTOS DE UMA JANELA
Fechei os olhos e a vista
alongou-se para muito longe!
Não discuti sobre ser ou não ilusão do fogo que crepitava a minha frente.
Não discuti sobre ser ou não ilusão do fogo que crepitava a minha frente.
Era longe o muito longe. Tão
absurdamente longe que só uma alma desprovida de bagagem poderia compreender a
distância sem medidas.
Errei ao abrir os olhos para confirmar o que via.
Errei ao abrir os olhos para confirmar o que via.
Via, apenas isso!
Olhar para além dos limites da alma
implicava uma jornada tão silenciosa quanto solitária.
Não!
“Solitária” era uma palavra povoada
por excesso de significações e não cumpria com o desejo de explorar a imagem
única que refletia.
Eu queria dizer da solidão quieta do
coração apaziguado pelo fogo.
Da ardidura branda, mas não menos
presente.
Da solidão capaz de provocar
terremotos ininterruptos no terreno dos sentidos.
O fogo tem essa potencialidade: impor
a submersão.
Um mergulho seco!
Tuft! Ou boloft! Ou capolot!
Dependia do mergulhante.
Dependia do fogo da alma seca.
Dependia da capacidade de tornar a
solidão companheira silenciosa... nem verbo, nem bagagem .
Bagagem de alma é diferente!
Bagagem sem alça, etiqueta ou ficha de
informação. Sem entrada ou saída, sem endereço para entrega em casos de
devolução.
Fechei os olhos; o longe se espichava
para ainda mais longe.
Eu corria atrás da distância sentida
convidando as lambidas vesgas do fogo que teimavam em aparecer entre as fronteiras
que dividiam o dentro e o fora.
Dentro: olhos abertos.
Fora: olhos fechados.
Apertei os olhos fechados para
abrirem-se mais longe, mais longe, mais longe...
Então, a bagagem sem alma escorregou
com elegância para o pé da primeira nuvem que atravessávamos e embalou o fogo
em nesgas de vento frio.
O fogo arrepiava-se enquanto eu
sorria, olhos fechados, prazer dobrado.
Para além da linha dos cílios
palavras dançavam pedindo espaço, manipulando as minhas sensações.
O fogo lhes animava tanto quanto
induzia ao silêncio que tomava forma.
Eu via!
Olhos fechados para ver melhor... via!
Uma janela abriu-se embaixo de meus
pés. Redonda e gorda engolia a luz que vinha de dentro.
Fantasmas emergiam das dobradiças
pregadas de pouco.
Tudo eram novo e velho na imprecisão
do tempo que eu parara de contar.
O fogo, indeciso, subia e descia
pelas esquadrias encarquilhadas.
Cotovelos fincados à madeira...
O cume das nuvens atrás das imagens
fáceis desenhavam o que bem se desejasse ver.
O horizonte desalinhado fazia uma
trajetória perpendicular que talvez começasse em algum lugar daquela janela.
Sempre uma janela a desenhar o céu.
Janelas e céu fazem o casamento
perfeito: um para muitas.
Sem cobranças, sem divisões, sem
acordos sobre espaço, sem contrato de ocupação.
O
fogo espiava para dentro, mas eu estava ocupando esse lugar.
Instalara-me!
Aliviado pela solidão adocicada
feito ambrosia fresca.
Ambrosia!
Fantasmas não gostam de doces,
azedam qualquer ponto.
E todo o doce tem o ponto certo.
Errado!
Certo!
Qualquer coisa assim... interessava
decidir se seguiria aquelas quase imagens ou, quase alguma coisa ainda por
conceber.
Fantasmas
ocupam espaço!
Alastram-se por qualquer meia
lembrança que alcance as janelas e depois viram sombras de verdades pegajosas.
Janelas abrigam fantasmas.
Janelas não são portas, fantasmas
ignoram as portas, mas perseguem as janelas.
Quanto menor a janela maior o
número de fantasmas a ocupar o espaço aberto.
Janelas abrigam formas não definidas
que rasgam o mundo da realidade em eterno estado de formação.
Janelas
são úteros fecundos para a alma da poesia, da música, da utopia.
O fogo desenhava fantasmas.
Fantasmas do fogo não fazem doces,
fazem mais fantasmas...
Pululam as frestas rasgadas
no céu pelas janelas abertas... ou fechadas.
Fantasmas espanam o tempo
para cima de si mesmos.
Janelas fechadas são um
convite às entradas silenciosas, sorrateiras, decapitadoras dos olhares
obíquos.
Quando
o vento fica do lado de fora, os fantasmas instalam-se pelo lado de dentro.
Eu estava dentro e fora.
Persuadido pela força da
solidão adocicada eu entrara na imensidão do que pensava sentir e saía vez ou
outra.
Saía e voltava.
Voltava sem sair.
Buscava fantasmas, fastasmas
sem formas e fantasmas bem contornados. Fantasmas em moda, esquecidos,
destituídos.
Qualquer fantasma é sempre
fantasma.
Um fantasma é um fantasma!
E no fogo que minha alma
acendia todos eles tomavam lugar.
Não serviam ambrosia, eu
servia-me dela.
Doce azedo na concha dos
pensamentos marinados.
Provava a mim mesmo.
Uma servida...
Satisfeito?
Outra porção...
Saciado?
Fome de conceitos agregados às imagens serviam a mesa posta.
Fantasmas sentem fome.
Misturas conhecidas
estimulavam o gosto que eu não provara, ou deixara para provar depois. Coisas
que o fogo a minha frente não permitia.
O fogo exige presença: estou aqui!
Não adia a sinalização do
sentir agora.
Desço os olhos para os meus
pés.
Imagens de meus desejos
solidificavam-se em grandes blocos de lava seca.
Por fora: lava fria.
Por dentro: fogo líquido.
Pisava em mim mesmo calçado
por pensamentos que via em formas servidas a frio.
No vácuo da incursão iniciada,
entre labaredas de nuvens e fogo, encontrei o que não buscava.
Procurava?
Mergulhara, apenas mergulhara
para a montanha abaixo das nuvens de fantasmas acompanhados.
A cortina de fogo alongava o
olhar que entrara umbigo adentro.
Via...
Apenas via o que desejava
ver.
Fantasmas e janelas
comungavam da calma euforia que o fogo, outra vez o fogo, lançava a partir de
meus pés.
Estou aqui!
O longe cavalgou em silêncio
por trás de minhas pálpebras cerradas, desceu languidamente pelos braços
descansados, encontrou meus pés fincados sobre a pedra dos pensamentos e não
foi embora. Fez meia volta e recomeçou a viagem por dentro do que eu via.
Estou aqui!
Cumprimentei as formas sem contornos
e disse:
_ Bom dia!
A noite começava com a
extensão do que eu queria.
_ Bom dia!
Ouvi o coro de vozes sem
dono repetirem-me em retorno:
_
Bom dia!
_ Estou aqui!, pensei responder devagar.
_ Aqui, onde?, apressaram-se a perguntar.
_ Aqui!!!
_
Aqui não é lugar.
_
Eu estou!
O fogo lambeu a resposta que subiu em forma de
mariposa perdida.
O aroma de todas as
perguntas desfeitas lançou-se sobre os pensamentos aos meus pés.
Toquei o fogo frio.
Fantasmas espiam pelas
janelas.
Estou aqui!
E isso basta! Agora...
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