O MENINO AZUL

DEDICATÓRIA:
                     “Aos que abençoam as nossas diferenças e...
                      Às diferenças que abençoam nossa vida!”


                    Quando Miguel chegou ao mundo, deu falatório em todo lugar.
                   As comadres mais antigas, não queriam acreditar.
            Juntaram-se duas a duas, para pedir orientação, até no padre elas foram, querendo ouvir explicação.

                Mas o padre que era entendido foi logo erguendo a mão. Que parassem de bobagem, explicação não poderia dar, especialmente a quem perguntava, querendo complicar.


                “Mas, seu padre...” diziam sem parar, vá até lá ver o menino e depois nos venha contar.
                 Se ele é deste mundo, alguém lá de cima errou. Trocaram a cor do menino, “... seu padre! Ele...”

              
                 “Chega de tagarelice!, senhoras olhem ao redor:
Quantas cores existem?  Ora, ora, valha-me a boa vontade. Se estiverem a fazer nada, encontrem o que fazer! ““

          O padre não foi ouvido e a curiosidade aumentou.
                 Juntaram mais uma as duas e agora de três em três, passaram sebo nas canelas, a mão no guarda-chuva e prontas para qualquer dificuldade, foram ao doutor perguntar: “Diga logo, seu doutor, se isso é mesmo daqui. Pode menino novo ter a cor do mirt...?

                  “Shhhhht! Shhh!”, disse uma das três, sem deixar terminar “... não diga a cor do menino, o doutor precisa ver. Sem colocar os olhos nele, não irá acreditar. Vamos logo, seu doutor, o senhor vem explicar, como pode criança nova ser a...”

                Agora foi a vez do médico: “... parem de falar!
              Senhoras acalmem-se todas, desse modo não posso dizer que estão a cometer um erro, o menino não irei ver. Nascem crianças a toda hora, cada qual da sua cor. E cor não é problema, não é doença, não gera dor.”

         Resmungando saíram elas, de braço e de três em três.
           Descontentes com a fala do médico procuraram em outro lugar.
     As três de cada três juntaram uma a mais: formaram-se estranhos quartetos, pares de braços a se enganchar... carregavam uma pergunta dúbia, difícil de expressar.

                           Agitadas pelo desejo de descobrir uma razão não   
                   percebiam quanto perdiam do que pensavam procurar. 
       Pares de pernas divididas, ritmo rápido... “tac, tac! tac, tac!”... de quatro em quatro invadiram a farmácia.
     Seu Lúcio era homem antigo, de tudo um pouco conhecia.
        Haveria de saber o que ninguém entendia.

     Outra vez vai a pergunta, agora em coro maior, sobre o menino que nascera com a cor do mir...
         Ou seja, com uma cor tão a..., quanto o mirt... não era possível dizer.
     A cor trancava a garganta como se fosse uma pedra, um sapo, talvez um pedaço de bala, ou um pedaço de queijo envelhecido.
         Quanto mais tentavam engolir, mais engasgadas ficavam.
        Coisas novas eram difíceis de aceitar, mas nesse caso nem era o caso, já que a novidade era ninguém explicar.
      Será que ninguém mais enxergava o que elas  conseguiam atestar?


        Lá na rua de baixo estava o menino, e a mãe deixava olhar, até sorria compreensiva quando alguém ia lhe perguntar: “Nasceu assim seu menino?... como faz para criar?
           Ele é tão... tão... a... sabe! Ele é tão diferente, fica difícil não olhar!”.


            Coração de mãe até se engana, mas sente sem medo de errar, sabia que às vezes achavam estranho, mas isso ela podia aceitar.
          Sabia que o tempo traz o costume, e que o normal é costume também, o fato em si não existe, quem interpreta cria o fato... amém!.
           Lera isso em algum lugar, escrito por um filósofo cujo nome guardara... e bem! Se o tal filósofo filosofara ela filosofava também.

                    Crianças são crianças, em todo e qualquer lugar. Bastava dar um tempo para todo o mundo acostumar.
             Miguel era uma criança, como todas as crianças são.
                     Nascera bonito e forte e a diferença...?
                  Ora!  Somos todos diferentes... se não o fôssemos, como seríamos alguém?


              Cada um nasce estranho porque o nascimento não repete ninguém.
           Nem mesmo os gêmeos idênticos são o mesmo “alguém”.
                 Parecer com alguém da família deixa a todos mais tranquilos: o nariz é do fulano, a boca do beltrano, a testa não tem dono, talvez seja do sicrano.
                 
                Dizer isso para as comadres era jogar palavras fora.
                        Movidas pela vontade de entender o que nem sempre se explica, tanto fizeram, tanto perguntaram que a questão virou “futrica”.
                    Juntaram-se em número maior para causar forte impressão, mostravam-se determinadas a encontrar uma explicação.

                     Enquanto a explicação não vinha, Miguel crescia feliz. Ouvia os sons da natureza com a palma de sua mão, corria onde tivesse espaço e sem espaço corria também.                   

                      E o tempo da escola chegou, sem muitas preocupações.
                   Miguel foi bem recebido como todos devem ser.
                         Crianças só perguntam o que precisam saber.


                      Verdade que as comadres não desistiram de vez.
                   Houve tempo em que formaram uma turba pavorosa.
                   Queriam saber do sabido com explicação de doutor. Mas Doutor que é douto não complica o saber. Se não puder facilitar o que a vida reserva ao homem, ao silêncio se recolhe humilde e sábio doutor.
                  Quem pensa que tudo sabe, nem começou a aprender.

                 Se as comadres ficaram a engolir o vazio para aliviar-se da pergunta sem resposta?... até se pensa que sim!
                Alguns pigarros ainda são ouvidos quando Miguel sai para o jardim.
                 Confundem sua cor com os frutos do mirtilo.
                Ou ainda, dizem que uma nuvem o batizou ao nascer.
                 Os mais crédulos dizem que foi um anjo, ou até um querubim. Que asas o banharam na cor azul... na cor azul marfim.
                Se foi nuvem ou se foi anjo, quem o conhece não pergunta.
              Miguel é um menino azul e agora vai conhecer o mar.
              Dizem algumas línguas compridas que ainda não aprenderam a pensar, sentir e amar, que talvez ele vire golfinho, e não volte para casa.


               Sua mãe que não é peixe, nem tem medo de água fria, ri com gosto de tudo e a todos conforta: “Miguel é só um menino, e crianças são assim... não se preocupem com a cor dele, seu pai se chama Martim.”

          

                   Pescador de longas noites, o pai de Miguel ri também.
               E agora Miguel conta a todos o que ele espera para o ano que vem.
                   Mas esta é uma nova história e tem a ver com...
                      Miguel não ficou parado e agora... bem!
                      Agora...
                  Eis algo que não se pode prever, mas se esperar um pouquinho... Miguel vai se dar a conhecer!
                     Ah! Se vai!!!
                

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